O novo longa da diretora holandesa Sacha Polak, “Névoa Prateada”, já está em cartaz nos cinemas.

Até que ponto traumas do seu passado podem afetar as relações do seu presente? Imagino que essa pergunta já tenha passado, pelo menos, uma vez pela sua cabeça durante uma madrugada de insônia ou até mesmo tenha surgido enquanto você estava em uma sessão de terapia.

De qualquer forma, definitivamente, essa questão ficou rodeando a minha mente enquanto assistia a “Névoa Prateada” (Silver Haze, no original) de Sacha Polak. 

No drama, conhecemos Franky (Vicky Knight), uma enfermeira que sobreviveu a um incêndio quando criança e, mesmo 15 anos após o acontecido, continua tentando entender o que ocorreu na fatídica noite e qual a real motivação por trás do incidente. 

É interessante notar como isso afeta o dia a dia dessa personagem. Mesmo que tente se distrair sobre o assunto enquanto trabalha ou interage com outras pessoas de seu convívio, é recorrente que seus pensamentos voltem para essa mesma questão, invadindo inclusive seus sonhos. O trauma daquela noite a persegue e, como consequência, ela não consegue criar conexões verdadeiras, principalmente, no campo afetivo.

Por mais que eu nunca tenha passado por uma experiência tão extrema como a de Franky, consegui criar um paralelo com a minha própria vivência e me enxergar na personagem em certos aspectos. 

A sede que nos consome por uma resposta e a vontade de preencher as lacunas mas, ao mesmo tempo, ignorar fatos indiscutíveis são alguns dos pontos que enchem a nossa mente de tal forma que, em certa altura, apenas cansamos de lutar contra e deixamos que esses pensamentos invadam cada célula do nosso ser, por mais que, racionalmente, saibamos o quanto nociva essa dose pode ser.

E enquanto percorremos esse caminho, tomamos algumas decisões equivocadas e vamos nos descaracterizando, nos quebrando e deixando o antigo “eu” para trás, até não nos reconhecermos mais quando nos olhamos no espelho, um tempo depois. 

Acredito que seja comum também que, durante esse percurso e estagnação, acabemos esbarrando com outras pessoas que, por um segundo, nos fazem pensar: “Talvez essa pessoa me entenda”, “Talvez eu possa fazer por ela, o que eu não consigo fazer por mim mesmo” ou, em outros casos, “Talvez ela possa me salvar”. O resultado desses encontros podem ser benéficos, mas também podem ser extremamente desastrosos. 

No meu caso, eu flertava constantemente com a terceira opção e, em decorrência disso, conheci um rapaz que, spoiler, me deixou ainda pior. No caso de Franky, essa pessoa foi Florence (Esmé Creed-Miles), uma de suas pacientes que passa por diversas flutuações emocionais e que, em pouco tempo, consegue despertar na enfermeira uma ligação genuína que resulta em um relacionado amoroso entre as duas.

Por mais que o roteiro não se preocupe em desenvolver a relação desse casal com calma, uma vez que, após poucas cenas, elas já estão morando juntas, eu realmente torci para que uma conseguisse ajudar a outra e tivessem um final feliz. Mas assim como pode acontecer com certa recorrência na vida real, nem sempre isso é possível e, mesmo que achemos o contrário, talvez aquela não seja realmente a “the one”.

Porém, também acredito que elas como casal não eram o tópico principal para se tomar nota nessa narrativa. Não me entendam mal, é claro que Florence contribui para a evolução de Franky, porém, por entender qual era o caminho que já estava desenhado para esse casal, não consegui me conectar tanto com esse relacionamento. 

Em compensação, a relação que é desenvolvida entre Franky e os personagens Jack e Alice, interpretados por Angela Bruce e Archie Brigden respectivamente, me conquistou desde a primeira cena e, a partir disso, eu só queria mais e mais interações desse trio o que, felizmente, acontece. Na minha concepção, esse sim é o verdadeiro ponto de atenção dessa história.

É sobre você estar entre pessoas que tornam a vida mais leve, mesmo com todas as dificuldades que cada uma delas enfrentam em sua galáxia particular. Sobre você poder respirar sem sentir o peso constante de uma atmosfera que te sufoca e que te relembra constantemente a pessoa que um dia já foi. Sobre se sentir realmente a vontade para aceitar seu passado mesmo sem todas as explicações que você desejava ter para que assim você possa, de fato, construir um futuro onde, quem sabe, seja possível recuperar laços que antes haviam sido desintegrados. Sobre se dar a chance de recomeçar.

Vicky Knight nos entrega uma Franky determinada mas, meus momentos favoritos são, justamente, quando ela se deixa aproveitar os pequenos prazeres da vida como dar um mergulho no mar, por exemplo, se permitindo dar uma pausa na sua obsessão por respostas. 

Não seria justo da minha parte se eu omitisse que a Florence de Esmé Creed-Miles me irritou profundamente da metade do segundo ato em diante. Eu compreendo completamente que suas atitudes e variações de humor são sintomas claros de uma saúde mental totalmente debilitada e apesar de tudo, nesse quesito, sua personagem é importante para reforçar a necessidade de buscarmos ajuda profissional sempre que possível.   

Angela Bruce me emocionou profundamente com sua Alice e, novamente, consegui relaciona-la com pessoas do meu convívio de certa forma. Sua luta, seus desejos, seus posicionamentos, são de uma força inspiradora. Gostaria de ter visto um pouco mais do Jack de Archie Brigden, mas entendo totalmente que sua história não era o foco nesse momento. 

Com uma trama abordando temas como daddy issues, lesbofobia e tentativas de atentar contra a própria vida, Sacha Polek constrói uma narrativa que não se preocupa muito em ambientar o espectador sobre o espaço de tempo que está sendo percorrido mas joga uma luz sobre a importância dos vínculos que são construídos durante esse percurso.

Distribuído pela Bitelli Films, “Névoa Prateada” te levará em uma jornada de cura que não será fácil, mas indispensável para a construção de um futuro melhor que o seu presente.

Texto Elaborado por Jamerson Nascimento.