“No Ritmo da Vida” ganha mais pelo drama familiar do que pelo universo queer
Longa estreou no dia 3 de março nos cinemas brasileiros
As narrativas dentro do universo queer podem ser facilmente associadas com liberdade. Afinal, é comum que pessoas LGBTQIA+ precisem dar esse “grito” e superar diversos obstáculos apenas para conseguirem ser quem são. “Jump, Darling” ou “No Ritmo da Vida” consegue transmitir muito bem essa mensagem, usando-se de um drama familiar para discutir sobre o que é ser livre de verdade e ter domínio sobre o próprio destino.
“No Ritmo da Vida” é o primeiro filme de Phil Connel, que escolheu mostrar ao público muito do que passou em sua própria vida na relação com a arte e na convivência com sua falecida avó.
O longa conta a história de Russel (Thomas Duplessie), um aspirante a ator que também vive a drag queen novata Fishy Falters. Após de separar do namorado, que não aceita seu trabalho na noite como drag, Russel vai visitar a avó Margaret (Cloris Leachman) no campo. Lá, ele a encontra em declínio acentuado, já no fim da vida e sem conseguir fazer mesmo as tarefas mais simples.
A solução para ambos foi Russel ir morar com ela, para ajudá-la a escapar da casa de repouso local. Na pequena cidade, ele revive sua identidade como Fishy Falters no único bar queer da região, ao mesmo tempo em que vive um romance conturbado com um bartender e se vê confrontado pela sua vontade de seguir na carreira de ator, enquanto Margaret luta para retomar o controle de sua própria vida.
Embora a trama seja em geral um pouco lenta, o maior ponto positivo de “No Ritmo da Vida” é a amizade de Russel e sua avó Margaret. O sarcasmo dela e a modernidade dele se confrontam de forma divertida e saudável para ambos, com diálogos gostosos de assistir e que fazem o espectador sorrir sem perceber.
Essa relação, baseada na vivência do diretor com sua própria avó, mostra que mesmo nas famílias mais conturbadas, é possível se construir conexões verdadeiras, com união e parceria, independente de vivências e idades diferentes.
Margaret é uma personagem cativante em todos os aspectos, seja pela interpretação poderosa de Cloris Leachman, seja por toda a trama que a rodeia. Uma ex-patinadora do gelo, cujo marido se suicidou e com uma filha controladora, ela luta contra a perda de independência característica da velhice. É com ela que se pode aprofundar o debate sobre liberdade, se abrirmos mão de uma visão maniqueísta e romantizada sobre vida e morte.
O tempo com o neto direciona ambos os personagens no entendimento de quem eles são e do que querem para si, guiando-os para as escolhas que regem o final do filme. Por isso, a relação entre Margaret e Russel acaba ofuscando as tentativas de aprofundamento no universo queer.
Isso não significa, contudo, que a temática LGBTQIA+ não tenha sido bem conduzida na trama. “No Ritmo da Vida” não se mantem no lugar comum quando se fala de lgbtfobia. Em vez de retomar os debates sobre violência física e a não-aceitação da família, o diretor Phil Connel optou por mostrar como o preconceito pode ter diversas camadas, por vezes até mesmo dentro da própria comunidade LGBTQIA+, e se manifestar de forma sutil, porém com o mesmo potencial de machucar e traumatizar.
Logo de cara, vemos que a aceitação da família nunca foi um problema para Russel. Tanto sua avó quanto sua mãe não apenas tem conhecimento, mas também apoiam o relacionamento de Russel e sua escolha de vida como drag e como artista.
Ene (Linda Kash), a mãe de Russel, inclusive protagoniza uma das melhores cenas do filme, ao descobrir que o filho faz performances como drag queen. Devido à sua personalidade, que até então havia sido apresentada de forma mais hostil, antagonizando principalmente com Margaret, era esperada uma reação mais intolerante da parte dela. Contudo, o público é surpreendido ao vê-la defendendo o filho e desmascarando o preconceito do ex-namorado de Russel.
Assim, a lgbtfobia não é o foco da trama, mas está lá, latente e perceptível desde a forma como um taxista trata o protagonista, até na maneira como conhecidos de infância o respondem ao vê-lo na pele de Fishy Falters. Isso, contudo, não é um impedimento para Russel reafirmar sua identidade, o que é outro ponto positivo de “No Ritmo da Vida”.
E essa afirmação se dá por meio de Fishy. É com ela que ele consegue se expressar da forma mais espontânea e mais verdadeira. Fishy Falters é o grito de liberdade de Russel. A relação Russel x Fishy é potencializada pelo cuidado com a trilha sonora. As performances de Fishy não são apenas envolventes pelo ótimo trabalho de coreografia, figurino e maquiagem, mas também pelo fato de as músicas escolhidas dizerem muito sobre os sentimentos da personagem sem deixar de se encaixar no universo cultural queer.
Aliás, é importante destacar que um dos méritos de “No Ritmo da Vida” é o cuidado ao inserir a temática drag. O diretor Phil Connel teve o cuidado de entrevistar várias drags, incluindo Tynomi Banks e Fay Slift, que aparecem no filme ao lado de Miss Fercalicious.
Em conclusão, o “ritmo da vida” aqui é bem lento, apesar de ser um filme curto de apenas 90 minutos ― “Jump, Darling”, aliás, é um nome que faz muito mais sentido para a história. Mas é uma ótima pedida para quem gosta de se aprofundar em personagens e temas complexos.
*Texto por Ana Paula Castro
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