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Por: Larissa Regina Diniz 23/03/2020
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Sem Coração (Marisa Meyer)

“Por coincidência, sr. Jest, eu às vezes chego a acreditar em até seis coisas impossíveis antes do café da manhã.” (Sem Coração – Marisa Meyer)

 

Hoje, depois de passar pelo Reino de Copas, não me vestirei de vermelho, e muito menos de branco. Estarei vestida em roupas negras.

É meu luto pelo potencial falecido dessa história

Ok, ok!!!! Calmaaaaa!! Não foi tão ruim assim. Estou sendo dramática. Era só pra começar a resenha de um jeito impactante, já com um spoiler da minha opinião kkkkkkk

sem coração
Capa do Livro Sem Coração (Foto Divulgação)

Peguei uma oferta  na Amazon recentemente e estou aproveitando o serviço do Kinlde Unlimited pelos próximos 3 meses. Graças a isso, pude ler um livro que há muito tempo estava de olho: Sem Coração, de Marisa Meyer, um romance baseado em Alice no País das Maravilhas, lançado em 2018 pela Rocco Jovens Leitores.

Pela mesma editora, está disponível a versão brasileira da obra pela qual a autora se tornou conhecida dentro do segmento de literatura jovem: As Crônicas Lunares, lançadas entre 2013 e 2016. Uma releitura high-tech dos contos de Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel e Branca de Neve. Dá pra perceber que a moça já é calejada nessa coisa de mexer com contos de fada, né?

Pois bem. Nessa nova releitura, Marisa Meyer deixou para trás os ciborgues e as batalhas intergaláticas e apostou numa ambientação vitoriana. Em Sem Coração, acompanhamos Catherine (Cath, para os íntimos), filha única do Marquês e da Marquesa do Recanto da Pedra da Tartaruga, no Reino de Copas. Ainda que tenha crescido em meio a uma nobreza repleta de gente esnobe e sob as asas uma mãe controladora e bipolar, Cath conseguiu realizar a proeza de se tornar uma garota encantadora, com um dom particularmente aguçado na arte de produzir doces maravilhosos. Ela tem total consciência de que é a melhor confeiteira de Copas. O problema é que, aparentemente, cozinhar como uma criada não é um comportamento adequado para uma dama. Menos adequado ainda sendo ela a donzela que irá se casar com o Rei e se tornar a futura Rainha de Copas

Oi? Como é? Isso mesmo, coleguinha. Aquela Rainha de Copas que você está pensando. Isso aqui é uma história de Origem. Como nossa doce Cath vai chegar até aquele ponto? Essa é a sacada da história.

Voltando então à sinopse: por mais que os sonhos de Cath estejam muito mais direcionados para uma vida simples como dona de uma confeitaria (e talvez trocando beijos com um certo Bobo da Corte misterioso e encantador chamado Jest, que parece sentir o mesmo por ela), como exatamente se faz para rejeitar o pedido de casamento de um Rei?

A história vai seguindo numa pegada bem linear, com praticamente zero cenas irrelevantes para o plot, o que, se tratando de um volume único, é um fator importantíssimo. Navegando por essas cenas, vemos Cath interagindo com a nobreza local, o Rei, e claro, Jest, o Bobo da Corte, também conhecido como Coringa. Não posso deixar de agradecer Marisa Meyer por ter deixado esse insta-love acontecer através de interações bastante envolventes. O momento em que ele aparece, cheio de charme e enigmas no baile do branco-e-preto, bem ao estilo “ladrão de cartola”, foi sensacional. Tenho um fraco por entradas triunfais. Outro elogio digno de nota é a forma como é utilizada a personalidade “açucarada” de Cath. Analogias com cheiros, gostos, e a própria apresentação de doces, são utilizadas inteligentemente para encaixar a personalidade da protagonista dentro do discurso do narrador, sem ficar repetitivo, nem forçado.

O mundo de Alice é outro show a parte. Achei que a autora conseguiu encontrar um balance muito legal entre as referências à obra de Carrol e suas próprias criações. Nem muito, nem pouco, no que se refere à ambientação (porque a utilização dessas referências pelo plot, aí já são outros 500). Detalhes como os animais falantes, o jogo de croquet com flamingos, ou o gato de Cheshire, foram ótimos para apresentar o mundo e posicionar os personagens confortavelmente em seus papéis.

sem coração marisa meyer
(Foto Divulgação)

 

Pronto. Agora que já elogiei, vamos pra parte em que eu falo mal hahaha

 

Eu realmente curti o comecinho do romance entre a Cath e o Jest. Mas meu contentamento só durou até metade do livro. Dali pra frente, mais ou menos na parte em que acompanhamos as tentativas de cortejo do Rei, começaram os diálogos entre o par romântico que me deixam louca: aqueles em que os sentimentos de um pelo outro estão perfeitamente claros, mas ainda assim a comunicação não rola. Tudo porque a intenção é acumular medos e inseguranças pra que mais adiante, quando os personagens finalmente expressarem devidamente seus sentimentos (ainda que nada além da conveniência do plot os impedisse de fazer isso antes), possamos culminar em uma cena avassaladora e apaixonada durante o primeiro beijo. Ai ai, tô velha demais pra isso…

E não é só nesse sentido que a senti a trama um pouco forçada. As partes mais importantes para a mudança gradual de pensamentos da Cath, que a levariam a ser aquela Rainha de Copas, foram bem mal projetadas, na minha opinião. Diversas vezes identifiquei contradições escancaradas nos diálogos, presentes ali só pra tentar criar algum clima de tensão (gerar um conflito, mostrar a Cath sendo valente mesmo que com medo, etc). O problema é que contradição não convence. Ações de personagens só são críveis se elas fazem sentido com seu sentimento, e o sentimento só é verdadeiro se ele tem lógica com a moral e os valores neles embutidos.

Por exemplo, olha esse diálogo:

 

Cath: Aqueles desenhos… são só desenhos. Desenhos estranhos de garotinhas estranhas.

Jest: Cath…

(UM parágrafo se passa)

Jest: Tudo bem, mas se você for, eu vou.

Cath: Não, Jest. Se você estiver lá, não vou conseguir pensar em mais nada além daquele desenho horrível. Preciso saber que está em segurança.”

 

Menina, é pra ter medo dos desenhos ou não? Dá pra decidir?

É exatamente por causa dessas contradições que, pra mim, a Cath nunca chegou a ser a garota forte, decidida e corajosa que a história pinta. O próprio “conflito final”, motivo principal pelo qual ela se torna cruel e sem coração, não me convenceu completamente pois,  na visão que tive, tudo foi reflexo das próprias decisões egoístas e mal pensadas que a protagonista foi tomando nos momentos chaves da trama. Se ela fosse mesmo decidida e corajosa, muito disso poderia ser evitado tomando decisões corretas nos diversos momentos em que a trama tinha abertura pra isso. Esse papel de “mártir do destino” realmente não me convenceu.

Uma segunda decepção pra mim foram as soluções para os problemas da trama aparecendo bem ao modo do Curinga: tiradas da cartola. As decisões mais importantes para o andamento da história foram sempre tomadas por causa de informações que apareceram do nada, sem base nenhuma. Dava aquela sensação de que a autora inventou aquela coisa nova só pra dar certo no enredo. Exemplo disso é o ponto da trama quando a coisa toda começa ir de mal a pior, e, pra resolver a situação, Jest aparece dizendo algo como “ah, o corvo me lembrou de que (inserir aqui informação importantíssima). Se fizermos isso, tudo pode dar certo!”.

sem coração marisa meyer
(Foto Divulgação)

Sério mesmo que a ação que vai definir toda a história a partir desse ponto foi baseada em uma informação tirada do bolso (ou melhor, do bico) de um dos personagens mais irrelevantes do livro? E ainda por cima passada de segunda mão?

Juro que depois dessa eu dei uma paradinha e repensei minhas escolhas de vida.

Pra encerrar, acho que a ideia de criar uma história de origem para a Rainha de Copas é muito sensacional. Infelizmente, não posso dizer que gostei de como ela foi feita nesse livro. Apesar de dos vários pontos positivos, todos os elementos que cortaram minha imersão e fizeram com que me importasse menos com os personagens foram os culpados por, no final, eu não me conectar com toda a dor, e consequentemente, acreditar na ruptura pessoal da Cath. Como não fui convencida daqueles sentimentos, suas motivações chegaram até mim vazias, e eu não consegui encontrar ali um bom motivo pro surgimento da Rainha de Copas, cruel e sem coração, que a história me prometeu.

 

Classificação da Larissa (cons.ciencialiteraria): 3 estrelas

 

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