Curtas Animados: A sensibilidade sem a necessidade de palavras
Curtas disponíveis no Youtube mostram que nem sempre é preciso usar a fala para emocionar e nos fazer pensar
Já tem algum tempo que o gênero de animação mostra que as suas histórias também podem ser voltadas para adultos e abordar temas sensíveis, com camadas profundas e, claro, arrancar muitas lágrimas de seus espectadores mais velhos (Alô, Pixar!).
Mas hoje eu não vou falar de longas metragens e sim trazer alguns exemplos de curtas que, mesmo sem dizer uma única palavra e com pouco tempo de duração, conseguem passar a sua mensagem perfeitamente.
Já aviso que sim, teremos alguns spoilers durante o texto e, por isso, caso não tenha assistido alguma das produções citadas ainda, sugiro que as veja antes de continuar a leitura. Deixarei os links de acesso no decorrer da resenha!
O primeiro curta o qual eu vou comentar foi lançado em 2017 e logo se tornou um dos meus favoritos assim que eu o assisti. “In A Heartbeat” foi escrito e dirigido por Esteban Bravo e Beth David e, em apenas 4 minutos de duração, consegue mostrar algumas situações que qualquer LGBT já precisou enfrentar no início de sua descoberta: A primeira paixão por alguém do mesmo sexo e o medo de externalizar esse sentimento.
Para uma criança, com a sua inocência e sem a interferência de outras opiniões, ao assistir essa produção, poderá enxergar, no geral, apenas o amor entre duas pessoas e ficar contente pelos personagens terem um final feliz e isso é algo extremamente positivo, inclusive.
Se mais pessoas enxergassem a população LGBT com esse olhar de amor, empatia e acolhimento, sem dúvidas o mundo não estaria do jeito que está hoje, já que sabemos que esse grupo continua sendo perseguido e morto aos montes diariamente.
O nosso país, por exemplo, continua sendo o que mais mata transexuais no mundo segundo dados de 2020 do Trans Murder Monitoring realizado pela ONG Transgender Europe e já ocupa esse topo do ranking a cerca de 12 anos, e segundo um levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia em 2017, 445 casos de assassinatos de homossexuais foram registrados apenas naquele ano.
A partir desses dados, conseguimos entender ainda mais o personagem Sherwin que, em certo ponto da narrativa, luta contra o seu próprio coração (literalmente) e ao se ver exposto e sob o olhar de estranhamento e até julgamento de outras pessoas, esconde-se por medo das represálias das quais poderia ser alvo. Tudo bem que no caso de Sherwin temos o adicional dele estar na fase da pré-adolescência, com os nervos à flor de pele, além de contar com toda a insegurança que esse momento da vida já causa naturalmente em todos nós.
Porém, mais uma vez, também podemos ampliar essa situação para outro nível quando paramos para pensar que muitos casais homoafetivos evitam andar de mãos dadas em espaços públicos ou ter uma troca de carinho (por menor que seja) justamente porque, a qualquer momento, podem se tornar alvos de agressões físicas e verbais e, em casos mais extremos, serem mortos apenas por serem quem são.
É claro que tudo isso é um apenas um dos muitos modos de interpretar essa história, mas percebe quantos significados, discussões e nuances conseguimos encontrar em uma produção com apenas 4 minutos de duração?
Seguindo a lista, a próxima produção que vou citar aqui foi uma descoberta recente e me surpreendeu pela sua sensibilidade e pelo uso da arte como tratamento para a superação de uma perda. Os primeiros segundos do curta “Farewell” (2017) já nos entregam um contexto gigantesco sobre a história da personagem principal.
Aqui temos uma mulher, artista, que estava em um estado avançado de sua gravidez, mas que, infelizmente, perdeu seu filho. Por si só, já é um assunto extremamente delicado. Vemos que a protagonista já havia começado a planejar o quarto do bebê e então, de repente, tudo perde o sentido após esse triste acontecimento.
De fato eu não consigo imaginar o tamanho da dor que essa personagem sente, assim como diversas mulheres que já passaram por isso na vida real, mas o que os diretores Adeline Jacquot, Alan Sorio, Chen Yang Hsu, Elea Trahay e Paul Jourdain, responsáveis por esse curta de 7 minutos, conseguem fazer é mostrar como a arte pode ter propriedades curadoras.
Isso é de um valor imenso principalmente nesses tempos em que vivemos onde vemos tantos ataques descabidos e covardes que tentam diminuir a importância da cultura e da arte no geral dentro de uma sociedade.
Além disso, a belíssima ave que personifica a perda da personagem, também representa a libertação que o seu trabalho lhe proporciona e, conforme a ave cresce e se desenvolve, o quarto antes cinzento, também se enche de novas cores refletindo o interior da protagonista que alcançou a aceitação e agora poderá seguir em frente, assim como o pássaro livre e a voar pelo horizonte.
E pra finalizar, o último curta que gostaria de trazer aqui para essa resenha tem a duração de 6 minutos e se chama “Lost Property”. Aqui também temos outro tema muito interessante, mas que, diferente de “In a Heartbeat” e “Farewall”, não fica assim tão evidente até próximo do seu final.
A produção dirigida por Asa Lucander teve sua estréia em 2014 e traz uma doce velhinha em busca de diversos objetos, contando com a ajuda de outro velhinho simpático. As fotos que, inicialmente, pareciam ser apenas o registro de coisas aleatórias ganham um novo significado ao final revelando o verdadeiro assunto por trás dessa narrativa: o Mal de Alzheimer.
Assim como na vida real onde o estágio inicial da doença começa a apresentar sinais leves naqueles que a portam, esse curta também trabalha o Alzheimer de maneira sutil e mostra como a presença da família é um ponto crucial para o tratamento e percebemos isso através da persistência da velhinha que, mesmo não tendo grandes avanços no início, retorna dia após dia na esperança de resgatar as memórias de seu amado.
Também temos a visão daquele que porta essa doença representada pelo velhinho onde um mundo de possibilidades se apresenta a ele sempre que ela lhe mostra uma foto, mas nenhum desses mundos é realmente aquele o qual ele pertence, coisa que o velhinho percebe apenas quando recebe a última fotografia.
Todas essas histórias que eu citei nessa resenha possuem menos de 10 minutos de duração, cada uma com o seu estilo de animação, com a sua trilha sonora instrumental própria e, graças a genialidade de seus criadores, sem a necessidade de dizer uma única palavra, conseguiram passar mensagens de reflexão, amor, união e superação.
O curta animado já deixou de ser algo voltado apenas para crianças há muito tempo e aqui está alguns exemplos que podem fazer até o adulto mais resistente se render a emoção passada por essas rápidas histórias. Existe muita coisa boa sendo produzida além dos muros de Hollywood e que merece ser reconhecida, mas isso é assunto para uma outra resenha.
Texto Elaborado por Jamerson Nascimento.
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