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“Eu Nunca…”: muito mais do que uma comum comédia adolescente
Fazendo a diferença com a protagonista indiana-americana, “Eu Nunca…” é a série da Netflix que, com apenas duas temporadas, aborda diversos temas importantes
Recentemente, a Netflix lançou a segunda temporada da série “Eu Nunca…” (Never Have I Ever…), uma promissora comédia dramática adolescente que teve a sua primeira temporada lançada em 2020. O que na superfície pode parecer mais do mesmo, assistir esse série logo se torna uma longa experiência de aprendizado, risadas e lágrimas. Com uma protagonista carismática e realista, “Eu Nunca…” logo te envolve em uma relação de amor e ódio com os personagens.
A série é protagonizada por Devi Vishwakumar, uma adolescente de ascendência indiana muito confusa e cheia de personalidade. A personagem é tão realista que é impossível amá-la ou odiá-la o tempo todo. Toda essa profundidade é mérito não só da incrível criadora Mindy Kaling, mas, também da talentosíssima Maitreyi Ramakrishnan, atriz que interpreta e dá vida à Devi.
A trama acompanha Devi em sua realidade escolar e familiar. Ela que é uma aluna exemplar e está tentando se libertar da imagem de nerd e ter experiências normais de uma adolescente, como namorar e frequentar festas. Sempre acompanhada de suas melhores amigas, Eleanor, uma jovem chinesa-americana apaixonada pela ideia de ser atriz e com problemas de abandono parental por parte de sua mãe, e Fabiola, uma jovem afro-americana, presidente do clube de robótica e que está se descobrindo como lésbica.
A forma como três meninas adolescentes, racializadas e muito diferentes entre si são representadas nessa série é de encher o coração de alegria. Um grande diferencial de “Eu Nunca…” é a forma como cada uma delas tem suas próprias histórias e, mesmo que todas estejam ligadas à Devi, os demais personagens tem suas próprias histórias.
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Quando o assunto é romance, Devi tem dois possíveis pares: Paxton, o garoto popular, parte japonês e atleta; e Ben, o nerd rico, rival de Devi que, secretamente, recebe pouca atenção dos pais, que trabalham e viajam muito. A série faz um ótima trabalho em desenvolver os dois personagens o suficiente para que, na primeira temporada, Ben seja favorecido no final e, na segunda temporada, Paxton seja mais afortunado.
No começo da primeira temporada, Ben é tudo menos amigável com Devi. Os dois competem em tudo, por serem os dois mais inteligentes da classe, e ele é bastante hostil com ela. Essa coisa mais “inimigos para amantes” é bastante comum no cinema e nos livros, então agradou bastante gente quando, no final da primeira temporada, os dois ficam juntos.
Já Paxton, que rejeita Devi na primeira temporada, se aproxima dela na segunda. Seu personagem começa a se desenvolver, saindo do tipo “Atleta burro” para “Atleta que se esforça”, ganhando mais profundidade e, consequentemente, a atenção do público. O problema é que Devi não é a melhor em tomar decisões lógicas no tópico “Relacionamentos”, e acaba namorando Ben e Paxton ao mesmo tempo na segunda temporada. Nem preciso dizer que isso dá muito errado pra ela, né?
O que muita gente deixa de levar em consideração é que Devi é uma adolescente, o que já atua contra ela para que ela tome certas decisões, mas ela também uma pessoa traumatizada. Uma das partes principais da trama central da série é a morte repentina de Mohan, pai de Devi. Como se já não fosse ruim o suficiente perder o pai, com quem ela era extremamente próxima, Mohan teve um ataque cardíaco e morreu na frente de Devi e de toda sua classe, durante um recital que ela participava.
O trauma desse acontecimento foi tão grande para Devi que ela ficou paralizada da cintura pra baixo por um tempo depois do ocorrido. Para piorar, Devi e Nalini, sua mãe, não se entendem bem. As duas com a mesma personalidade forte e Nalini com sua característica rigidez, comum em mães indianas, faz com que Devi e ela não se deem bem a princípio, já que Devi não quer seguir e não compreende o tradicionalismo da sua cultura. Essa distância entre as duas, combinada com a falta e o trauma da perda do pai, fazem com que Devi seja triplamente mais confusa.
Na segunda temporada, suas escolhas questionáveis continuam. O ponto alto disso talvez sendo o momento em que ela expõe, por acidente, os transtornos alimentares de Aneesa, aluna nova recém transferida para Sherman Oaks High e que começa a se tornar o interesse romântico de Ben, o que deixa Devi bastante enciumada.
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É muito perceptível a importância de “Eu Nunca…” ter sido criada por uma mulher indiana. Os conflitos de Devi em relação à sua origem e ao fato de ser uma adolescente indiana nos Estados Unidos é muito realista. Além disso, ela não coloca estereótipos em nenhuma das personagens indianas da série, nem mesmo as mais tradicionais como Nalini, mãe de Devi, ou Kamala, prima de Devi.
Nalini e Kamala, diferente de Devi, não nasceram nos Estados Unidos e seguem muitos costumes indianos, como casamento arranjado. Elas também possuem um sotaque característico de imigrantes indianos. Só que isso não é caricato nelas, como costuma ser em outros personagens estrangeiros em série e filmes. Historicamente, estamos acostumados a ver costumes de outros países sendo retratados de forma cômica e ofensiva na mídia.
É muito bom ver os costumes da família Vishwakumar sendo retratados de forma respeitosa e, ainda assim, cômica. A série tem um episódio inteiro dedicado a um feriado religioso hindu Ganesh Puja, que consegue ser hilário, sem ser desrespeitoso. Outro exemplo disso é Kamala, prima de Devi, interpretada por Richa Moorjani.
Kamala é prometida em casamento pela família e, diferente do que pensávamos que aconteceria, aceita se casar com o noivo escolhido. Porém, ela não é retratada apenas como uma mulher prometida para se tornar esposa. Kamala é cientista e pesquisadora, está tirando seu doutorado na segunda temporada. Mesmo tendo terminado com seu namorado secreto Steve para se casar com Prashant, é visível que sua carreira é tão importante, ou até mais importante, do que seus relacionamentos. Assim como Devi, ela faz algumas escolhas questionáveis nesse sentido, porém, ela é uma personagem bastante amável, e você se pega torcendo por ela em todas as oportunidades possíveis.
O mesmo ocorre com as melhores amigas de Devi. Eleanor, que é retratada como a espontânea e alegre garota do teatro, sofre com a ausência da mãe, sua principal inspiração. Além de se envolver em um relacionamento abusivo na segunda temporada, que retrata muito bem a forma como a manipulação dentro de um relacionamento afeta a pessoa e seus ciclos sociais.
Já Fabiola, que na primeira temporada enfrentava o drama de se entender lésbica e ter que se assumir para sua família, na segunda temporada enfrenta a sensação de não pertencimento dentro da comunidade LGBTQ+. Essa linha entre se sentir uma estranha e pressionada a mudar dentro de uma comunidade cheia de pessoas como ela é bem desenvolvida na série, de forma realista. Em momento nenhum a trama delas é exagerada para efeito cômico, fazendo com que a experiência de assistir isso tudo se desenvolver seja
Além disso, a comédia da série não tira o peso do drama. As cenas em que Devi e Nalini lidam com o luto de forma direta são bastante profundas. Em especial, o momento em que Nalini decide espalhar as cinzas de Mohan no mar. Devi, que fugiu de casa dias antes, quase não consegue chegar a tempo para participar desse momento e, se não fosse por Ben, que é com quem ela foi morar depois de fugir, ela não teria chegado.
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O momento em que ela faz as pazes com a mãe, minutos antes das duas, juntamente com Kamala, espalharem suas cinzas, é um dos mais tocantes da série, empatado apenas com o momento em que Devi diz a mãe que preferia que ela tivesse morrido no lugar do pai. Essa complexidade do relacionamento das duas pode parecer irreal, mas não é. Na adolescência, o que muitos interpretam como “a fase rebelde” é bem semelhante a isso.
O momento em que pais e filhos não compreendem uns aos outros e o resultado disso são momentos como os de Devi e Nalini. A própria atriz, Maitreyi, admite que a vida de Devi é bem parecida com as experiências que ela teve e ainda tem. Devi é inspirada na vida da criadora da série, Mindy Kaling, mas pode retratar muito bem a realidade de muitas adolescentes por aí, especialmente as jovens indianas.
No geral, “Eu Nunca…” é uma ótima série, mesmo para que já passou da idade de seu público alvo. As narrações de John McEnroe, Andy Samberg e Gigi Hadid adicionam um novo tom de comédia à trama. É um ótimo exemplo de como retratar adolescentes, principalmente meninas racializadas, sem sexualizar ou desrespeitar as origens de ninguém. Só é preciso ter a mente aberta e paciência com Devi, assim, você irá compreendê-la, amá-la e odiá-la durante suas aventuras e sua jornada pelo luto e a busca pelo amor.
Por Thais Moreira
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