
Com grande performance de Angelina Jolie, ‘Maria Callas’ explora psique da diva da ópera em trama sensível e melancólica
Novo longa de Pablo Larraín chega aos cinemas nesta quinta-feira, 16 de janeiro
Uma das grandes apostas da temporada de premiações, Maria Callas conclui a trilogia do diretor Pablo Larraín de cinebiografias de figuras femininas notáveis — que inclui Jackie (2016) e Spencer (2021) —, trazendo alguns aspectos da história da famosa cantora de ópera em uma narrativa mais lenta, que se sustenta na atuação primorosa de Angelina Jolie na pele da protagonista. Apesar de falhar em construir uma conexão real da artista com o público, o filme trabalha bem ao imergir na mente conturbada da cantora em seus últimos dias de vida, optando por uma narrativa não linear para retratar momentos marcantes de sua história enquanto alterna entre realidade e imaginação.
O longa conta a última semana da vida de Maria Callas, que vive reclusa em um apartamento em Paris com seu mordomo Ferruccio Mezzadri (Pierfrancesco Favino) e sua governanta Bruna (Alba Rohrwacher), até falecer no dia 16 de setembro de 1977. Constantemente fluindo entre passado e presente por meio de flashbacks, a trama deixa La Callas um pouco de lado e se aprofunda em Maria, dicotomia que o próprio filme usa para se situar.

A escolha da direção e do roteiro de Steven Knight é focar nos traumas da artista, em vez de seus momentos de glória que lhe deram o título de ‘A Divina’. Assim, em pouco mais de duas horas de filme, vemos uma Maria Callas viciada em medicamentos, tendo alucinações causadas por eles, perdendo cada vez mais a potência vocal e a saúde, além de sofrer com a depressão e a solidão, uma vez que os funcionários são as únicas pessoas que acompanham a protagonista de perto em seus momentos finais.
Se por um lado esta escolha dá mais profundidade à trama e tira o longa da linha reta comum das cinebiografias, por outro é preciso considerar que Maria Callas é um ícone da ópera, que por si só já é uma arte pouco acessível, e já é falecida há quase 50 anos. Dessa forma, diferente da princesa Diana em Spencer, por exemplo, a imagem da cantora não é tão difundida entre o público geral, o que, potencializado pela ausência de um enredo que aborde, de fato, quem foi Maria Callas, causa um afastamento e uma falta de conexão com uma audiência que não seja do meio musical e clássico.

Ainda assim, é preciso reconhecer o mérito da obra em assumir sua escolha e explorar ao máximo o potencial dela. Nos momentos de flashback, caracterizados pelas cenas em preto e branco que contrastam com as cores vivas e saturadas do presente, Larraín se aprofunda nas relações íntimas que geraram os traumas da cantora, desde abusos na adolescência e os conflitos familiares, até sua conturbada relação com Aristotle Onassis (Haluk Bilginer), abordando inclusive o polêmico triângulo amoroso com Jackie Kennedy em um diálogo bem construído entre a protagonista e John F. Kennedy, interpretado por Caspar Phillipson, que também deu vida ao ex-presidente americano em Jackie.
Outro aspecto interessante do filme é a forma como o diretor reduz os limites entre realidade e imaginação de forma muito natural, representando a bagunça mental de Maria Callas de forma empática e emocionante, mas sem melodrama. As alucinações da artista são principalmente materializadas pelo personagem Mandrax (Kodi Smit-McPhee), mesmo nome do medicamento usado pela cantora, que também é o “elemento” que traz a metalinguagem na produção. O rapaz, que é um fruto da imaginação da soprano, está fazendo um filme intitulado “Os últimos dias de Callas” e os atos do suposto filme são transferidos para a obra de Larraín de forma explícita, com o uso de claquetes que marcam a divisão da narrativa.
Porém, sem sombra de dúvida o destaque do filme vai para Angelina Jolie. Longe das telas desde 2021 após seu trabalho em Eternos, a atriz consegue transmitir em nuances o desmoronamento gradual da vida de uma artista atormentada pelo passado, mantendo a postura ao mesmo tempo arrogante e insegura de uma cantora que já foi perseguida pela imprensa por sua fama, mas que após o auge se vê andando normalmente pelas ruas de Paris como uma pessoa anônima.

Por outro lado, embora tenha passado por uma preparação de sete meses para cantar ópera, Jolie teve sua própria voz mixada com performances reais de Maria Callas, o que deixou muito evidente a dublagem de algumas cenas em que a personagem aparece cantando. Por conta disso, a parte musical do longa causa estranhamento, quase como se a imagem e o áudio estivessem dessincronizados.
Assim, a força de Angelina Jolie vai mesmo para a parte dramática, que dá todo o tom melancólico do filme, mesmo (e talvez principalmente) em cenas silenciosas, lentas e contemplativas, o que aliás é outra característica marcante da obra. Em tempos de vídeos curtos e narrativas cada vez mais aceleradas, é no mínimo notável quando um cineasta se propõe a ir na contramão, reduzindo o ritmo e assumindo, sem medo, o aspecto contemplativo de sua produção, ainda que possa passar um ar de monotonia em determinados momentos.
Pablo Larraín conclui sua trilogia reafirmando o discurso sobre mulheres de renome que viveram à sombra e à mercê de homens poderosos, um discurso que denota que essas mulheres, mesmo sendo famosas e referências mundiais, em suas relações interpessoais ainda caem em um lugar de opressão e de abdicação da própria vontade para satisfazer às necessidades de outras pessoas, mesmo que isso signifique o sacrifício de sua saúde física e, principalmente, mental.
Maria Callas estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 16 de janeiro. Confira o trailer:
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