O que Montero (Call Me By Your Name), de Lil Nas X, nos ensina sobre hostilidade, homofobia e racismo.
O novo sucesso de Lil Nas X trás experiências reais de relacionamentos que o cantor teve, além de inspirações da cultura pop e críticas à homofobia.
Em 26 de março de 2021, o rapper americano Lil Nas X finalmente lançou a música Montero (Call Me By Your Name), canção que o artista já tinha postado em seu tik tok meses atrás, e que os fãs aguardavam com ansiedade. Porém, além do sucesso já esperado (porque ele só lançou sucessos até agora), o novo lançamento do cantor trouxe polêmicas. E não foram poucas.
O videoclipe da música foi lançado na mesma data, no Youtube, e, se tem uma coisa que o Lil Nas X faz muito bem, é trazer superproduções para os clipes de suas músicas. Essa não foi diferente. Em Montero, canção que leva o nome do cantor, Lil Nas X aparece em vários cenários místicos, como o jardim do Eden, no início, e no inferno, no final. Essas características chamaram a atenção de religiosos que criticaram o cantor por utilizar símbolos religiosos no vídeo.
O ponto focal é, com certeza, a cena em que Lil Nas aparece descendo de pole dance para o inferno, antes de dançar no colo do demônio, mata-lo e assumir seu posto. E, claro, esse ponto incomodou muitos, e choveram tweets, tik toks e vídeos no Youtube criticando o cantor.
Lil Nas X explicou em entrevista à Genius e em um tweet logo após o lançamento da música, que Montero é inspirada em um relacionamento que teve com um rapaz. Ele explica que a música tem seu nome porque representa muito para ele, e a parte Call Me By Your Name faz referência ao filme ‘Me Chame pelo Seu Nome’, que conta a história de um casal de rapazes. Já o vídeo satiriza a tão ouvida fala direcionada à pessoas LGBTQ+: “você vai para o inferno”. Então, Lil Nas X, em seu clipe, vai para o inferno (em alto estilo) e ainda faz um lap dance no diabo, “seguindo” o conselho dado por tanto homofóbicos por aí.
Ironicamente, eles não ficaram felizes.
Os fãs do cantor receberam a música de forma extraordinária, já que ela emplacou nos chats e chegou em primeiro lugar não só nos Estados Unidos e Europa, mas também em países com a Arábia Saudita, onde a comunidade LGBTQ+ é muito mal recebida, por uma série de razões culturais. No total, ele atingiu #1 em mais de 19 países. Em menos de 24h do lançamento, a internet estava lotada de memes inspirados no vídeo.
Porém, independente disso, nessa última semana, Lil Nas X encontrou problemas com a música, que foi retirada de várias plataformas digitais. Ele disse no Twitter que não sabe o motivo, e que talvez ela deixe de aparecer nos serviços de streaming. Em contrapartida, ele recomendou que os fãs baixassem a música (sim, ilegalmente) para que não perdesse a oportunidade de ouvi-la. O vídeo da música também foi postado em uma plataforma de vídeos adultos.
Tudo isso é um reflexo muito simples de racismo e homofobia. Lil Nas X não é o primeiro a fazer um vídeo utilizando de símbolos religiosos para passar uma mensagem bem longe do que a religião prega. Madonna, por exemplo, já foi chamada de inimiga do cristianismo. AC/DC, com o sucesso Highway To Hell deixa bem claro na letra da música a que se refere. E nem vamos entrar no mérito de citar as bandas de Black e Death Metal. Então, por que somente as músicas de Lil Nas X estão sendo retiradas das plataformas digitais?
Além disso, pra acompanhar a temática do vídeo, Lil Nas X, em colaboração com a marca MSCHF lançou os polêmicos Satan Shoes, um modelo modificado do Nike Max 97, com um pentagrama encima dos cadarços e vários adereços de conotação “satânica”. A marca produziu apenas 666 modelos (pegaram a referência?) e um deles vinha com uma gota de sangue humano.
Obviamente que as pessoas foram à loucura. Porém, a Nike entrou com um processo contra o cantor, e os tênis não puderam ser vendidos. Um ponto a se considerar é que a MSCHF é conhecida por lançar produtos controversos, inclusive já lançou o modelo contrário ao Satan Shoes anteriormente, os Jesus Shoes. Também são Nikes Max 97, e vinham com um crucifixo encima do cadarço e com água benta dentro. Com esses, porém, a Nike não pareceu ter problemas, pois foram vendidos normalmente.
Muitos dos críticos de Lil Nas X alegam que ele é um mal exemplo para os mais jovens. O sucesso Old Town Road tomou conta dos rádio em 2019 e 2020, e realmente, muitas crianças e adolescentes se atraíram pela música. A questão é: Old Town Road não é uma música para crianças. O próprio Lil Nas X explica, em entrevista à Genius, que Old Town Road é sobre a estrada para o sucesso e a fama. Na música, ele menciona o uso de drogas e traição em relacionamentos. Claramente, não é coisa pra crianças.
E esse ponto abre precedentes para uma discussão muito recorrente: devemos responsabilizar artistas pelo que as crianças ouvem? A resposta é simples: não. Artistas como Cardi B, Nicki Minaj e Justin Bieber sofrem o mesmo tipo de crítica, por criar conteúdo “inapropriado para menores”, sendo que existem menores que os ouvem. A questão é: a responsabilidade de delimitar se um conteúdo é apropriado ou não para crianças, é dos pais, não do artista. Não faz sentido responsabilizar Lil Nas X por “expor” crianças a ele dançando no colo do diabo, sendo que quem está permitindo que os filhos consumam esse tipo de conteúdo, são os pais.
Os ataques que Lil Nas X está sofrendo, porém, transcendem a barreira apenas dessa censura para crianças. Constantemente, o simples fato dele ser gay é usado contra ele. Ele é visto como má influência por essa característica mais que qualquer outra, pois conservadores negros e brancos “se unem” para ataca-lo por isso. Não é nem preciso dizer que isso é uma falsa simetria sinistra, né?
Um garoto negro, expressando sua sexualidade livremente incomoda muita gente, isso é fato. Dentro da comunidade negra americana, é de conhecimento geral de que existe um conservadorismo muito grande, gerado principalmente pela forte relação das pessoas negras com a religião. Sendo assim, não é “esperado” que negros sejam LGBTQ+, e não é somente lá que isso ocorre. Não preciso nem dizer que isso não faz o menor sentido, mas é o que boa parte acredita ser verdade. Além disso, quando se tratam de pessoas brancas, o fato de Lil Nas X ser negro é mais um agravante para que ele seja uma influência.
Isso justifica o porquê de artistas brancos LGBTQ+ serem melhor recebidos na mídia. Claro, eles ainda sofrem muito preconceito, como é o exemplo da Jojo Siwa, que recentemente se assumiu pansexual e apresentou em suas redes sociais sua namorada. Jojo, que é uma artista do ramo infantil e faz música completamente inocentes e voltadas para crianças (ouçam Boomerang), teve que ver muitos pais indignado e proibindo seus filhos de ouvi-la. Ainda assim, o que ela passou, não se compara ao que Lil Nas tem passado desde o começo.
Por último, o incômodo dos religiosos com o sincretismo apresentado na nova música de Lil Nas X é fácil de entender, já que religiosos costumam tomar cuidado com seus símbolos. Mas não deixa de ser assimétrico com a forma como esse mesmo sincretismo é recebido quando se tratam de outros artistas. Não foi feito todo esse alvoroço quando a Billie Ellish lançou o vídeo de All the Good Girls Go to Hell, música que começa com “My Lucifer is lonely”, as críticas que ela recebeu foram muito mais leves. E ela está vestida de demônio no vídeo (que é muito bom, inclusive, recomendo!). O que Billie e Lil Nas X tem de diferente? Eu vou deixar vocês responderem essa.
De todo modo, Lil Nas X não parece querer parar tão cedo, e isso é muito bom para os fãs de suas músicas. Ele representa um papel na indústria da música pouco visto: um homem negro e homossexual, abertamente falando sobre suas experiências como tal é algo pouco visto, por isso, independente de gostar ou não de suas músicas, é inegável que ele é um artista essencial para a atualidade.
Texto por Thais Moreira
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