Mythic Quest: Raven’s Banquet e o universo por trás da produção de um game
Situada em uma empresa responsável pelo design de um famoso jogo, a série aposta na comédia no ambiente de trabalho de forma única
Em fevereiro de 2020, estrou na Apple TV+ uma série que ninguém sabia que precisava, até ter a chance de ver. Criada por Charlie Day, Megan Ganz e Rob McElhenney, “Mythic Quest: Raven’s Banquet” é uma série televisiva de comédia incomum, para dizer o mínimo.
Ambientada dentro de uma empresa de design de games, Mythic Quest acompanha Ian Grimm (interpretado pelo próprio Rob McElhenney), CEO e idealizador do jogo que leva o nome da série. Ian é um narcisista de primeira, que tenta manter o status positivo que seu jogo tem entre os fãs de game. Além de Ian, a séria acompanha Poppy Li (Charlotte Nicdao), uma espirituosa líder programadora do jogo que vem a se tornar líder da empresa ao lado de Ian.
A premissa da série, no conhecido formato de sitcom americano, reflete a influência trazida pelos criadores, considerando que dois deles fizeram parte de “It’s Always Sunny in Philadelphia“, famoso sitcom de 2005. Mythic Quest, porém, se diferencia ao trazer elementos muito atuais ao ambientar a série no universo dos games.
Não é surpresa para ninguém que, quando falamos sobre games, existe todo um mundo a ser descoberto, independente do jogo que estamos jogando. Hoje, trabalhar com jogos é mais comum do que nunca, e Mythic Quest tem sucesso ao pegar essa premissa e explorar todas as ramificações, desde a programação e design de animação do jogo, até as streams e o impacto que elas tem na popularidade de um jogo.
Dentro da série, por acompanhar a empresa que faz o jogo, existem personagens de diferentes setores: Brad Bakshi (Danny Pudi), do financeiro e monetização, é um capitalista com resquícios de sociopatia. Brad é um personagem que trouxe muitos fãs para a série, afinal, o ator Danny Pudi tem um histórico muito positivo por seu papel como Aber Nadir, em “Community“. Em Mythic Quest, ele não decepciona ao fazer o papel do cara “mal” que não podemos evitar nos apegar.
No setor de testes, temos Dana, interpretada por Imani Hakim, sim, a atriz que fez a Tonia, de “Todo Mundo Odeia o Chris“. Para muitos, inclusive para mim, foi uma surpresa vê-la no papel, afinal, nos acostumamos a vê-la como Tonia. Dana é uma fã de games com um senso de humor muito conveniente. Junto a ela, no setor de testes, temos Rachel, interpretada por Ashly Burch. Dana e Rachel vem a se tornar o par romântico pelo qual torcemos durante toda a série.
Como líder da equipe como um todo, temos David (David Hornsby) e sua assistente Jo (Jessie Ennis). Os dois formam uma dupla muito cômica, com David sempre no ápice do estresse, e Jo sendo a fã número 1 de Ian, o que faz com que ela tome atitudes extremas em momentos completamente inoportunos. Essa diferença de tom entre Jo e o restante da equipe contribui muito para o humor da série.
Como escritor e roteirista da história do jogo, temos F. Murray Abraham no papel de CW Longbottom, um personagem que, em primeiro momento, parece deslocado no ambiente, por ser um senhor de idade em um ramo dominado por jovens adultos. Porém, após um episódio especial, viemos a entender que CW, na verdade, se encaixa perfeitamente em Mythic Quest.
Os demais setores trazem importantes personagens secundários, como Carol (Naomi Ekperigin), de recursos humanos, que constantemente é tratada como a psicóloga da equipe, e Sue (Caitlin McGee) que trabalha com a comunicação com o usuário do jogo, o que faz com que ela leia comentários de ódio o dia todo. O papel de Sue é tão real que é cômico e triste, pois sabemos muito bem que no mundo dos games, a truculência e falta de respeito infelizmente ainda é grande.
Como bônus, também temos os streamers que não trabalham em Mythic Quest mas o jogam e transmitem para seus milhares de seguidores, o que determina muito o que o público pensa do jogo. O principal streamer da primeira temporada é Pootie Shoe, interpretado por Elisha Henig. Poodie, que é um pré-adolescente, é uma representação muito realista de como pessoas cada vez mais jovens podem ditar na internet o que a maioria pensa de uma empresa conceituada, como Mythic Quest. Na segunda temporada, inclusive, existe um plot twist sobre a relação de Pootie com a Mythic Quest, mas não vou dar esse spoiler.
Muito bem estruturada dentro do formato de sitcom, Mythic Quest pode parecer “mais do mesmo” e, realmente, existem semelhanças da série com clássicos da comédia, como “The Office” e “It’s Always Sunny in Philadelphia“. Porém, o diferencial de Mythic Quest está justamente na temática central: os games.
A série aborda de forma muito inteligente todos os componentes que movem uma companhia que produz um jogo, uma visão que muitos de nós não tínhamos antes de ver a série. Além disso, Mythic Quest consegue fazer isso sem esvaziar a história dos personagens. Cada um dos principais, e até os secundários, possui características determinantes e histórias paralelas. Alguns deles ganharam até episódios específicos para si, e esse desenvolvimento pessoal dos personagens é o que os humaniza e torna a série interessante de assistir.
Observar o desenvolvimento do relacionamento de Poppy e Ian em uma amizade próxima, a amizade de Dana e Rachel se transformar em romance, e a caracterização de Brad como uma pessoa desagradável que amamos odiar fazem com que o elenco de Mythic Quest se torne próximo, quase familiar, para quem assiste a série.
Além disso, os episódios especiais são pontos fortíssimos da série. Eles, inclusive, podem ser assistidos individualmente, sem que a série precise ser assistida antes.
O primeiro episódio especial é A Dark Quiet Death, e acompanha um casal na jornada de produzir um jogo que eles idealizaram, jogo esse que leva o nome do episódio. É um episódio bastante cativante, ao que vemos a forma como construir um negócio pode destruir um relacionamento, já que a divergência de ideias e a ganância de cada um acaba tomando conta da relação. Esse episódio é, com certeza, um dos meus favoritos.
Além desse, temos o episódio especial de quarentena, chamado de Quarentine. Nesse episódio, que se passa todo pela tela do computador (semelhante ao que foi feito nos filmes de terror “Amizade Desfeita” e “Host“), a equipe de Mythic Quest está tentando se habituar ao trabalho remoto, enquanto procura formas de se manter motivada. É um episódio surpreendentemente emotivo, e que retrata o que muitos de nós precisamos passar no começo da pandemia.
O episódio seguinte, também especial, é Everlight, um dos melhores episódios da série inteira. Everlight é um evento épico que a equipe de Mythic Quest promove, onde os funcionários podem se fantasiar e imergir em um universo digno de games, numa mistura entre Senhor dos Anéis e Thor. Nesse episódio, a série abusa nos efeitos especiais e na história fantástica em que se passa o evento, com direito à espada cravada na pedra e batalhas de espada.
Na segunda temporada, temos o episódio Backstory, que conta a história de CW enquanto escritor e seu desejo em trabalhar criando histórias para games. É um episódio que contextualiza muito da personalidade do personagem.
No geral, Mythic Quest foi bem recebida em seu lançamento, com aprovação de 89% no Rotten Tomatoes, 15 indicações ao EMMY e 2 vitórias. Honestamente, não é uma série para todos os gostos, e não possui a versatilidade de outros sitcoms que são ambientados em cenários mais generalistas. Pela especificidade de seu universo, Mythic Quest tem um público-alvo bem específico, o que não impede que outras audiências aproveitem a série. Acredito que ela possui muito a oferecer, e torço para que o lançamento da terceira temporada, já confirmada, seja em breve!
*Texto por: Thais Moreira
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