Por: Ana Paula Castro 01/10/2021

“Ainbo – A Guerreira da Amazônia” não explora todo o potencial que sua proposta merecia

A animação estreou na última quinta, dia 30, nos cinemas

Em tempos de Marco Temporal e profunda repressão que os povos indígenas vem sofrendo no Brasil, ter um filme como “Ainbo – A Guerreira da Amazônia” estreando aqui torna-se uma ótima oportunidade de trazer a temática da preservação e ainda inserir uma tema complicado como a exploração ilegal da Floresta Amazônica de forma lúdica para crianças.

Embora “Ainbo” tenha uma boa mensagem e tenha sido claro nas suas intenções de combate à ideologia do “progresso acima de tudo”, o filme dirigido por Richard Claus e Jose Zelada peca em muitos detalhes de roteiro e falha ao querer abarcar muita coisa de uma vez.

Ainbo é uma garota indígena que vive no coração da floresta, na aldeia de Candamo. Mesmo que o local exato da floresta não tenha sido mencionado, a cultura e as lendas apresentadas ― além do fato de ter sido desenvolvido por três países, Peru, Holanda e Estados Unidos ― deixam implícito que ele se passa na Amazônia Peruana.

Ainbo é melhor amiga de Zumi, que assume a liderança da aldeia devido à doença do pai, justamente quando seu povo está ameaçada por uma maldição chamada Yacaruna, que mais tarde descobrimos ser uma caricatura da ganância do homem branco que explora as riquezas da floresta sem nenhuma preocupação com o futuro do planeta, o meio ambiente e muito menos com as pessoas que ali vivem.

Para derrotar Yacaruna e salvar sua aldeia e a floresta, Ainbo conta com a ajuda de seus guias espirituais, o tatu Dillo e a anta Vaca, em uma jornada para encontrar Motelo Mama, uma tartaruga que carrega o mundo no casco e a entidade que orienta Ainbo no que ela precisa fazer. Com esse plot, seguem-se as aventuras da protagonista em busca de uma raiz que vai salvar a todos.

O início de “Ainbo” é um tanto confuso, pois as cenas alternam entre a vida de Ainbo e a de Zumi sem qualquer contexto. Essa alternância entre as duas personagens leva o espectador ao entendimento de que o filme é sobre a amizade delas, mas não é bem assim.

Isso porque logo depois somos apresentados aos guias espirituais, que são claras inspirações de Timão e Pumba, de O Rei Leão (1994), embora estejam muito longe de ter o mesmo carisma. Colocados para servirem como alívio cômico, os personagens caem nas piadas genéricas e são pouco cativantes. Apesar de trazerem uma boa proposta de mensagem, a de que não podemos receber as coisas de mão beijada pois dessa forma nunca aprenderíamos nada por nós mesmos, isso é quebrado pelo roteiro que quase sempre os insere para dar alguma resposta para a protagonista ou até para salvá-la.

A falta de contextualização do primeiro arco deixa o espectador perdido durante o filme. Não se sabe se o foco é a amizade de Zumi e Ainbo, a jornada dela com os guias espirituais, ou sua relação com sua mãe, que também é apresentada junto com tudo isso. No final das contas, o longa é sobre todas essas coisas. Porém, como esperado de um filme de uma hora e meia que quer explorar várias tramas, nenhuma delas é muito aprofundada.

É apenas no terceiro arco que o filme se encaminha com mais força, quando a mãe da protagonista, Lizeni, ganha mais importância e as coisas começam a se esclarecer. Se este tivesse sido o foco do filme desde o início, muito provavelmente ele seria bem melhor trabalhado, ainda mais considerando que é o arco de Lizeni que mais se relaciona com a questão da exploração ilegal de recursos da floresta, um tema que sempre permeia as discussões sobre a Amazônia.

Tecnicamente, “Ainbo” também não traz nada de muito instigante além das cores e texturas da Floresta Amazônica, o que, convenhamos, é o mínimo. Porém, os movimentos dos personagens humanos muitas vezes parecem não naturais, como se eles não tivessem peso, o que pode incomodar olhares mais atentos.

Infelizmente, “Ainbo” acaba caindo no genérico, bebendo de várias fontes, como O Rei Leão, Moana, Tarzan, Pocahontas e até Mogli com a inserção do personagem Preguição, sem aproveitar nem o melhor de cada uma dessas fontes nem o potencial que tinha para ser algo completamente original.

A cultura amazônica é rica demais e deveria ser abordada com essa mesma intensidade. Essa necessidade de querer soar como um filme “Disney/Pixar”, sem obviamente ter os mesmos recursos, prejudica demais a animação e acaba fazendo com que nenhum dos personagens, nem mesmo a protagonista, sejam cativantes.

Contudo, há de se reconhecer o mérito de ter um país latino-americano no desenvolvimento de um desenho sobre pessoas latino-americanas. Da mesma forma, é importante também reconhecer a ótima iniciativa de trazer aldeias e personagens indígenas para um público infantil, o que, vale ressaltar, pode ter um efeito muito positivo no imaginário das crianças sobre esses povos.

Apesar dos erros, é impossível desconsiderar que “Ainbo – A Guerreira da Amazônia” é um filme infantil e tem sim muito potencial para agradar crianças brasileiras. Sem contar que abrir espaço, tanto nas obras amadas pelas crianças quanto na indústria, para animações de estúdios que não tenham tanto poder e visibilidade quanto os grandes estúdios americanos, é algo louvável e que precisa ser estimulado.

Que “Ainbo” seja um filme para abrir essas portas, que traga mais artistas da América Latina para o mainstream, contando suas próprias histórias e tendo domínio sobre suas próprias narrativas, sobre sua ancestralidade, e que tudo isso possa fazer parte do imaginário das crianças e da juventude desses países tanto quanto as narrativas europeias e americanas fazem atualmente.

“Ainbo – A Guerreira da Amazônia” está em cartaz nos cinemas nacionais.