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Por: Ana Paula Castro 19/01/2025
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‘Conclave’ não tem medo de provocar e entrega thriller surpreendente

Longa do diretor Edward Berger e protagonizado por Ralph Fiennes chega aos cinemas brasileiros em 23 de janeiro

A princípio, é muito fácil torcer o nariz para a premissa de Conclave. O novo filme de Edward Berger, vencedor do Oscar por Nada de Novo no Front, concentra-se no processo de escolha de um novo papa após a morte do sumo pontífice da Igreja Católica, um evento que à primeira vista passa um ar de chatice que sequer justificaria a existência de um filme. Contudo, o premiado diretor, assim como o autor Robert Harris, que escreveu o livro adaptado pelo longa, escolheu abraçar mais o aspecto misterioso da votação e recheou o processo com discussões políticas pertinentes, construindo um thriller repleto de tensão e constantes reviravoltas.

A trama é centrada no Cardeal Thomas Lawrence, decano responsável por organizar e conduzir a votação, interpretado por Ralph Fiennes. O protagonista, que pretendia renunciar ao cargo, acaba por se ver no centro de um perigoso jogo de interesses entre os religiosos que buscam o poder absoluto de uma instituição que congrega mais de 1,3 bilhão de pessoas. Em excelente performance, o ator britânico guia o público nas descobertas sobre o passado dos potenciais candidatos e brilha ao transmitir o conflito interno de um cardeal desacreditado da igreja mas que também não hesita em trabalhar nos bastidores em busca de uma votação condizente com seus valores.

Ralph Fiennes em "Conclave" | Diamond Films (Divulgação)
Ralph Fiennes em “Conclave” | Diamond Films (Divulgação)

Conclave faz questão de evidenciar que, como qualquer eleição para presidente ou cargo público, a escolha de um novo papa não está alheia ao debate político da atualidade. O filme presume como seria uma disputa pelo título nos dias de hoje, com “facções” conservadoras e progressistas se articulando internamente para angariar votos e conseguir a maioria necessária para assumir o controle.

Para isso, Berger reuniu um elenco de peso. Stanley Tucci vive o progressista Cardeal Bellini, que embora alegue não querer o papado, se envolve na trama política tanto quanto seus concorrentes; Sergio Castellitto entrega uma performance espetacular como o cardeal com tendências fascistas Tedesco, que em nenhum momento esconde suas intenções no conclave; John Lithgow interpreta o moderado Cardeal Tremblay, um dos principais agentes na movimentação da história; Lucian Msamati vive o Cardeal Adeyemi, cujo conservadorismo extremo é abafado pelo fato de ser negro e africano; e Carlos Diehz traz o personagem mais polêmico da trama, o Cardeal Benítez, um mexicano que atua na arquidiocese de Cabul, no Afeganistão. Além destes, Isabella Rossellini dá vida à Irmã Agnes, coordenadora das freiras do Vaticano que ganha destaques pontuais ao longo da narrativa.

Conclave - Divulgação/Diamond Films
Conclave – Divulgação/Diamond Films

As atuações impecáveis são complementadas pela fotografia de Stéphane Fontaine, que faz um ótimo trabalho de contraste entre luz, evidenciando cenários do Vaticano com elementos clássicos da religião católica, e sombras, nos momentos que ressaltam o mistério e a dramaticidade. 

O jogo de câmera e os enquadramentos de Conclave também são repletos de simbolismo e funcionam de forma complementar à atuação de Ralph Fiennes. O protagonista é muitas vezes colocado em plano aberto em meio aos demais cardeais, o que denota não apenas seu lugar menor diante de um grande jogo de interesses mas também passa a sensação de compressão, vinda de um sistema que se impõe sobre ele e que não pode ser controlado. Por outro lado, é nos planos fechados que os efeitos disso nos conflitos internos do Cardeal Lawrence são transmitidos com maestria.

Tudo isso, aliado ao roteiro adaptado e assinado por Peter Straughan, cria uma narrativa que, apesar de ter tudo para ser previsível, consegue surpreender a todo momento. O longa apresenta momentos precisos de tensão e se ancora em reviravoltas constantes, criando um “zigue-zague” narrativo que prende o espectador e o deixa ansiando pela próxima revelação. Este mérito também vem da trilha muito bem aplicada de Volker Bertelmann, construindo e aumentando a tensão mesmo quando usada de forma sutil.

Conclave - Divulgação/Diamond Films
Conclave – Divulgação/Diamond Films

Conclave também se destaca pelo seu comprometimento e preciosismo. Nota-se o cuidado e o respeito pelo protocolo e os rituais realizados logo após a morte do papa, como a destruição do seu anel e a selagem de seu quarto, bem como durante o conclave, com o juramento dos cardeais antes da votação, o preparo da Capela Sistina, o lançamento da fumaça que comunica a decisão ou a falta dela, entre outros detalhes. Porém, nem de longe isso denota uma glamourização da Igreja ou de seus altos membros, uma vez que o filme se sustenta justamente no questionamento sobre os dogmas cristãos na sociedade atual, aponta a hipocrisia de religiosos e constroi provocações sobre até onde os católicos estariam dispostos a seguir os ensinamentos de Jesus.

Com isso, Conclave chega como um forte candidato na temporada de premiações, com atuações excelentes, direção minuciosa e um roteiro muito bem adaptado. Mas independente de prêmios, a obra já tem seu mérito por provocar discussões fora das telas. Mesmo sem a polêmica reviravolta final, a narrativa já expõe muito bem as contradições, incoerências e moralidade seletiva de certos líderes religiosos, alfinetando até mesmo antigos papas.

O final, porém, é o que o filme tem de mais provocativo, tanto devido ao tema polêmico abordado quanto à escolha narrativa de não se aprofundar nas potenciais consequências dos eventos do conclave para a Igreja, deixando essa “missão” para o espectador. Conclave estreia nos cinemas brasileiros no dia 23 de janeiro e, em uma sociedade cada vez mais conservadora, deve incomodar e até provocar a ira de muitos grupos religiosos, o que para mim (e aqui faço questão de escrever em primeira pessoa), só torna a obra ainda melhor.

Classificação do Autor:

Avaliação: 5 de 5.
Conclave Crítica Diamond Films filmes Ralph Fiennes Resenha
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Comentários
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    Vera Jardim

    Parabéns à jornalista Ana Paula Castro por sua maravilhosa análise do filme Conclave. Artigos como o seu nos faz querer assistir logo ao filme. Seu talento é um orgulho para a nossa classe de jornalistas.

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