Guerra Civil: A importância do fotojornalismo
Com Wagner Moura e Kristen Dunst no elenco, o novo longa da A24, “Guerra Civil”, estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 18 de abril
Eu consigo me lembrar daquela que, possivelmente, foi a primeira fotografia de guerra que eu vi na vida. Na época, estava no ensino fundamental, por volta da 5ª ou 6ª série (hoje, conhecidos como 6º e 7º anos) e folheava um livro didático de história.
Eu era um garoto com cerca de 10, 11 anos de idade, sentado em uma carteira de escola pública, com meus amigos a minha volta e vivendo o mais longe possível de qualquer perigo eminente, enquanto observava a foto de outra criança que provavelmente tinha a mesma idade que a minha (ou um pouco mais nova), porém vivendo em uma situação completamente diferente. O nome da criança em destaque é Kim Phuc, uma menina que corria nua e chorando em direção a câmera.
A fotografia era resultado do trabalho de Huynh Cong ‘Nick’ Ut para a Associated Press. O cenário era a Guerra do Vietnã em 1972 e registrava um ataque a aldeia de Trang Bang feito com bombas de napalm.
A composição com algumas crianças correndo e chorando em primeiro plano, soldados do exército em segundo plano e, ao fundo, uma fumaça preta cobrindo o horizonte é chocante em diversos níveis. Após esse registro, o profissional auxiliou Kim e sua família a terem atendimento médico, o que a salvou de um fim terrivelmente precoce.
Eu não pensava nesse acontecimento há muito tempo, porém, enquanto decidia como iniciar essa resenha e puxando na memória as fotografias históricas que vemos durante todo o nosso processo de aprendizagem, do fundamental até o superior, foi ela quem veio de imediato a minha mente. Teria essa imagem me marcado mais do que eu imaginava e, por isso, meu subconsciente optou por bloqueá-la durante todo esse tempo?
E isso me levou a outro pensamento. Sendo impactante como ela é e tendo a história que tem por trás, não deveríamos nos questionar? Por que estamos fazendo isso com nós mesmos?
Àquela altura, historicamente, já havíamos passado por duas Guerras Mundiais com a última resultando no holocausto da população judaica, as cidades de Hiroshima e Nagasaki tinham sucumbido as cinzas após serem alvos de bombas atômicas, uma Guerra Fria permanecia em andamento e, ainda assim, a espécie humana insistia em caminhar em direção à auto destruição. Por que?
De certa forma, esse é um dos questionamentos que Lee Smith, personagem que ganha vida de maneira primorosa através de Kristen Dunst, levanta em certa altura de “Guerra Civil”.
Sendo uma fotojornalista com décadas de experiência, ela se vê mais uma vez em meio aos mortos e não consegue entender por qual motivo continuamos seguindo esse caminho, uma vez que o seu objetivo pessoal era utilizar o seu trabalho como forma de alerta. Um aviso para que parássemos com essa barbárie, mas cá estamos nós de novo.
Em “Guerra Civil” (Civil War, no original) acompanhamos um grupo de fotojornalistas que atravessam os Estados Unidos enquanto acontece o conflito entre o governo ditatorial estadunidense e as Forças Ocidentais Separatistas, liderada pelos estados do Texas e da Califórnia. Além de lutar pela sobrevivência, os profissionais também irão documentar os horrores da guerra através das lentes de suas câmeras.
Kristen transmite todo o cansaço que sua personagem carrega depois de anos de profissão e seu olhar, que já registrou inúmeros níveis de violência, é de um peso tremendo. Sua Lee carrega camadas e camadas de dor e sofrimento escondidas por trás de uma armadura que, aos olhos dos outros, poderia resultar na alcunha de “durona” para defini-la.
Acredito que, pelo menos em parte, sua personagem consegue representar bem muitos dos profissionais que se colocam em risco diariamente ao se direcionarem para zonas de guerra para documentar a história em tempo real e os dilemas que esse trabalho pode gerar nesses indivíduos. Uma performance impressionante e, arriscaria dizer, que merece uma indicação ao Oscar do ano que vem.
Em contrapartida a essa atmosfera recheada de tensão, Joel consegue nos dar um respiro com o carisma incomparável de seu intérprete, Wagner Moura. É sempre um orgulho ver um brasileiro envolvido em produções hollywoodianas e, como esperado, Wagner está a altura entregando um excelente trabalho.
Seu personagem nos cativa no primeiro ato, nos tira um punhado de risadas no inicio do segundo e nos emociona quando estamos prestes a entrar no ato final, sendo o responsável por uma das cenas mais tocantes do longa.
Unidos, eles trazem equilíbrio um ao outro e uma sintonia que nos faz crer que realmente já estão juntos nessa jornada há muito tempo.
Fechando o grupo, também temos o veterano Sammy interpretado por Stephen McKinley Henderson que exala experiência e sabedoria em cada linha de diálogo e, apesar de ressaltarem por algumas vezes a sua idade avançada, o homem prova que ainda é capaz de fazer muita coisa por seus amigos.
Por fim mas não menos importante, temos a novata Jessie, uma jovem de 23 anos de idade, interpretada brilhantemente pela atriz Cailee Spaeny que enxerga Lee como uma espécie de mentora e inspiração, embarcando de última hora na loucura de atravessar o país em plena guerra.
Cailee, de certa forma, pode se encaixar no tipo de personagem que representa os espectadores durante a projeção. No primeiro momento, está em um lugar onde não deveria estar mas sua determinação em seguir naquilo que acredita é mais forte que qualquer fagulha de medo. Em seguida, enfrenta o impacto da realidade que a rodeia e isso a despedaça, um sentimento que, acredito eu, muito de nós teríamos caso estivéssemos inseridos nesse cenário. Por fim, ela ressignifica esse evento traumático em forma de motivação para seguir sua jornada.
Considero também as suas interações com Kristen um dos pontos altos da produção já que, sem a presença de Jessie, não teríamos acesso a um outro lado de Lee que é tão genuíno e bonito mas que, devido ao momento, não pode se dar o capricho de vir a tona.
Caso eu tivesse que escolher um momento das duas, escolheria a conversa em uma arquibancada enquanto Jessie faz o processo de revelação dos seus negativos, sem dúvidas.
Como podem ver, o foco dessa produção recai muito mais sobre as relações e jornadas dos jornalistas do que, propriamente, sobre a guerra que acontece e considero isso um grande acerto. Em certa altura, estaremos no epicentro do conflito? Sim, inclusive, o próprio trailer deixa claro isso mostrando explosão e tiros pra todo lado, mas esse não é ponto principal.
Outro ponto positivo de “Guerra Civil” é a belíssima cinematografia de Rob Hardy em união a excelente trilha sonora gerando uma das cenas mais belas e, ao mesmo tempo, mais desoladoras de toda a projeção no momento em que atravessam um trecho florestal em chamas.
Apesar de ser considerado uma distopia, o roteiro de Alex Garland (que também assina a direção do longa) conversa com questões sociais da atualidade e é interessante como, em certa altura, passamos por uma cidade que parece viver em um universo paralelo por aparentar ser tão tranquila e “normal” em comparação ao caos do resto do país e, tal qual os personagens, ficamos incrédulos ao visualizar aquilo.
Seria bizarro imaginar esse tipo de atitude se não tivéssemos vivido isso na pele nos últimos anos, não é mesmo? E só esse pequeno momento já demonstra o quão atual essa história pode ser e quantos paralelos podemos traçar com a nossa realidade no decorrer das suas pouco mais de 1 hora e 40 de duração e, sinceramente, não me surpreenderia se algo parecido com os eventos retratados aqui acontecesse no futuro, com exceção é claro da aliança entre os estados citados há pouco.
É triste chegar a essa conclusão mas, infelizmente, o potencial auto destrutivo que temos parece aumentar a cada ano que passa ao invés de reduzir e a pandemia de Covid-19 que deveria ter sido o ponto de virada da humanidade, se transformou apenas em um grande festival de negacionismo além de dar inicio a uma nova guerra. É assustador pensar que parte da população mundial ainda não teve a capacidade de aprender absolutamente nada com o passado.
Entre sequências de tirar o fôlego, atuações excepcionais e com um terceiro ato inquietante, “Guerra Civil” é mais um retrato impactante do horror que o homem pode causar contra sua própria espécie e ressalta a importância de profissionais que colocam sua própria vida em risco para documentar cada um desses movimentos nocivos e as consequências decorrentes destes. Definitivamente, caminha para ser tornar mais um grande sucesso da A24.
Texto Elaborado por Jamerson Nascimento.
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