O Pergaminho Vermelho | “Crescer é uma grande aventura”
Crítica da animação “O Pergaminho Vermelho”, primeira animação brasileira inédita no catálogo do Disney+
O orgulho que bate ao ver uma obra cinematográfica nacional bem feita para mim é o triplo quando se trata de uma animação. As dificuldades da produção, o encarecimento e a desvalorização do gênero como um todo são fatores que poderiam fazer com que uma obra incrível alcançasse no máximo o status de “ok”. Felizmente isso não aconteceu com “O Pergaminho Vermelho”.
O longa do Tortuga Studios, criado por Fernando Alonso, Léo Lousada e Nelson Botter Jr, conseguiu trazer técnica, apresentação de mundo, construção de personagens, combinação de elementos culturais diversos, representatividade e até um pouco de nostalgia, tudo muito bem pensado e estruturado. Dirigido por Nelson Botter Jr, “O Pergaminho Vermelho” está disponível para os assinantes do Disney+.
Conhecendo um mundo novo
No longa, acompanhamos a saga de Nina (Marina Sirabello), uma garota de 13 anos que gosta de andar de skate e procura passar o máximo de tempo possível fora de casa, com os amigos. Em parte ela faz isso por realmente querer estar com eles, em parte o faz para fugir dos problemas que vive em casa, com seus pais o tempo todo brigando, na maioria das vezes tendo a educação da garota como centro de discussão.
Querendo fugir dessa situação, Nina acaba indo para uma parte desconhecida do parque perto de sua casa, onde, bem ao estilo “Alice no País das Maravilhas”, ela encontra o tal pergaminho vermelho, que a transporta para o mundo mágico de Tellurian.
Lá, querendo apenas se livrar de responsabilidades, ela se deixa enganar pelo vilão da história, Lord Dark (Nelson Machado), que colocou o mundo sob trevas e adquiriu total poder ao pegar o pergaminho vermelho de Nina.
Assim acompanhamos Nina em sua jornada do herói para recuperar o pergaminho, com a companhia de Wupa (Marcello Palermo), seu fiel escudeiro e alívio cômico do filme, Idril (Any Gabrielly), uma garota indígena que apresenta as soluções para que Nina consiga salvar Tellurian e voltar para casa, e Victor “O Bardo” (Viny Takahashi), que ajuda as duas heroínas.
Enquanto vive aventuras com direito a enfrentar tanto monstros quanto desafios da sua própria vida e personalidade, Nina se depara com responsabilidades talvez maiores do que ela, mas que ela não tem escolha a não ser enfrentar, precisando buscar em si toda a sua coragem.
Ao mesmo tempo em que discute questões de foro íntimo, sentimental e inerentes aos seres humanos, o filme também traz a temática da devastação do meio ambiente e o discurso de preservação, o que jamais poderia ser deixado de lado considerando a presença de uma personagem indígena muito importante.
O que “O Pergaminho Vermelho” tem de melhor
A trama de “O Pergaminho Vermelho” em si não apresenta nada de muito original, o que a torna especial é a forma como é apresentada. Tellurian é um grande caldeirão de culturas e crenças, misturando bem as representações da cultura indígena, principalmente por meio da personagem Idril, com as concepções de fantasia e aventura da Europa medieval, neste caso representada por Victor “O Bardo”.
O maior exemplo disso no filme é a aldeia dos sacis, amazônida porém com música e estrutura muito parecida com as tavernas tão comuns em filmes que se baseiam nessa época do continente, como “O Senhor dos Anéis”. Esta, aliás, é apenas uma das muitas referências do mundo nerd.
O grande diferencial de “O Pergaminho Vermelho”, no entanto, é o fato de, mesmo usando elementos da mitologia greco-romana e referências da Idade Média, ele não se perde enquanto obra brasileira. Desde os pratos de arroz e feijão na mesa da família de Nina até o fato de Wupa ser um bicho preguiça. E toda essa brasilidade somada com a qualidade técnica da animação e o quanto ela não deixa nada a desejar para outros longas animados internacionais, dá um orgulho e tanto.
Outro destaque do filme é a dublagem, com grandes nomes já consagrados como Nelson Machado, Isaac Bardavid e Wendel Bezerra, bem como nomes novos que já vêm ganhando destaque, como Any Grabrielly. Sabemos que o trabalho de dublagem do Brasil é um dos melhores do mundo (e quem discorda está errado), e nisso o Tortuga Studios e os produtores Nelson Botter Jr e Fernando Alonso conseguiram manter a qualidade já conhecida.
O plot e o vilão
Quem assistir “O Pergaminho Vermelho” com um olhar mais crítico pode se incomodar com alguns fatores. Um que não chegou a me incomodar, mas certamente fez com que o filme perdesse um pouco o brilho foi a tentativa falha de plot twist, que acabou sendo um tanto previsível.
Outra é a caracterização do vilão Dark, que em 2021 é bem óbvia e clichê, por ser um personagem que não tem motivação nem profundidade, embora esteja claro que o objetivo do filme não era colocar esses elementos nele e sim na protagonista. Contudo, vale ressaltar que, de forma muito particular, o vilão me lembrou demais o Coração Gelado de “Ursinhos Carinhosos”, e o que era para ser um clichê simplório acabou despertando uma memória afetiva poderosíssima, que até me fez esquecer por um momento as coisas que me incomodavam nele.
Uma metáfora bem escolhida
Em geral, as aventuras que a protagonista enfrenta em sua jornada podem ser comparados com os desafios que enfrentamos no processo de crescimento, amadurecimento, adaptação a mudanças e nas diferentes formas de lidar com as dúvidas que surgem na passagem da infância para a adolescência.
Por isso, a frase do Grande Ancião (Isaac Bardavid), personagem que atua como conselheiro da protagonista da metade para o final do filme, para mim é uma metáfora da obra como um todo: crescer é uma grande aventura. E a verdade é que nenhum de nós está preparado para ela, porém, assim como Nina, não temos escolha a não ser se munir de coragem e enfrentar.
Classificação do autor
*Texto por Ana Paula Castro
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