POC CON 24: Cosplayers, LipSync e muita arte LGBTQIAPN+
Organizada por Mário César e Rafael Bastos Reis, a nova edição do evento aconteceu nos dias 31 de maio e 01 de junho de 2024 em São Paulo.
Às vésperas da 28ª Parada do Orgulho LGBT+, o Centro Cultural de São Paulo, localizado ao lado da estação Vergueiro do metrô, deu espaço para mais uma edição da POC CON, uma feira LGBTQIAPN+ de quadrinhos e artes gráficas.
O Nerd Recomenda esteve presente nos dois dias do evento e, a seguir, você terá acesso a um resumo de todas as atrações que marcaram presença em mais uma edição da POC CON, assim como entrevistas exclusivas com alguns dos talentos.
O evento gratuito, que teve sua primeira edição em 2019, adotou esse nome como forma de ressignificar um termo que, antigamente, era utilizado com o objetivo de depreciar pessoas que pertencem a comunidade LGBTQIAPN+.
Em entrevista com Mário César, um dos organizadores da feira e também autor de “Bendita Cura”, HQ vencedora do Troféu HQ Mix e finalista do Prêmio Jabuti de Histórias em Quadrinhos, conversou conosco sobre os desafios enfrentados na primeira edição da POC CON:
“Na primeira edição não sabíamos se teríamos expositores suficientes, mas, assim que a gente abriu a inscrição, já deu a quantidade que a gente precisava. (…) A gente não tinha muita experiência, o Rafa [Bastos Reis] já trabalhava um pouco com evento, mas foi um aprendizado e deu tudo certo no final. A dificuldade foi achar um espaço mesmo.”
Sobre a evolução do evento de 2019 até 2024, Mário comentou:
“Ficamos sempre impressionados com o crescimento da feira ano após ano e com nossa capacidade de expandi-la, encontrando mais espaço para mais artistas. Além disso, sempre há mais público para acompanhar esse crescimento, o que nos deixa muito felizes com o resultado.”
Com desejo de expandir a feira para novas cidades, o organizador também comentou sobre como a POC CON contribui para a visibilidade e valorização dos artistas da comunidade:
“Essa feira já abriu o olho de muita editora que antes não publicavam artistas LGBTQIA+. Hoje em dia, todas querem publicar esses artistas, observando quem tá fazendo sucesso na Poc Con e nas redes sociais, para tê-los em seu catálogo. É uma mudança visível no mercado. E os próprios autores ficam mais motivados a produzir e lançar seus trabalhos aqui. Isso incentiva a todos.”
Com uma legião de fãs e espaço ampliado, a edição de 2024 recebeu milhares de pessoas nos dois dias do evento que foram ao encontro dos 170 artistas que estavam disponíveis, expondo suas artes por todo o local. Confira abaixo o mapa da feira constando todas as editoras e talentos presentes nesta edição:
Entre os talentos, o professor e pesquisador Christian Gonzatti, também autor do livro “Pode um LGBTQIA+ Ser Super-Herói no Brasil?”, conversou conosco sobre o seu próximo lançamento, “Boy Magya: Eva Angélico”, segunda edição da franquia de quadrinhos do seu super herói queer.
“Na segunda HQ do Boy Magya, que será lançada em novembro, quisemos abordar histórias relacionadas ao fundamentalismo religioso. E como aqui, no contexto brasileiro, esse tema é utilizado como um dispositivo para perseguir pessoas LGBTQIA+.”
Com um estilo divertido e camp, o roteiro conta com o nome do publicitário e especialista em história em quadrinhos, Guilherme Smee, trabalhando junto a Gonzatti e o ilustrador Danverdura também faz parte do projeto.
Durante nossa conversa, Chris comentou sobre o desejo de criar a sua própria super equipe de heróis a partir dos personagens que serão apresentados no decorrer dos volumes de Boy Magya e o processo criativo da HQ, o qual também inclui as suas próprias experiências:
“Para a história de ‘Boy Magya: Eva Angélico’, eu pedi que as pessoas enviassem relatos de ataques que elas já sofreram em decorrência do fundamentalismo religioso e foi isso que inspirou a construção narrativa da história. Então eu sempre tento fazer esse movimento de trazer o político real para o ficcional, para a fantasia, porque eu acho que a fantasia tem esse movimento muito potente de poder representar dores e lutas necessárias de uma maneira mais fabulatória.”
Além disso, Gonzatti também é criador de conteúdos para internet através da página “Diversidade Nerd” que conta com mais de 70 mil seguidores no Instagram. Devido aos ataques constantes de grupos odiosos que sofre em sua página desde 2022, Chris fez um post recentemente mencionando o desejo de parar com a produção de conteúdo:
“É muito recorrente na vida produtores de conteúdo queer, feministas, de questões raciais serem perseguidos por grupos odiosos e as lógicas algorítmicas das plataformas não favorecem a espalhamento desses conteúdos. Então a nossa saúde mental acaba sendo muito afetada por essas duas interfaces. Eu tenho ansiedade, depressão, vários traumas que vem dessa minha trajetória como um homem e menino queer. Tenho lidado com isso na terapia pra tentar continuar fazendo conteúdos nesse movimento de enfrentamento e resistência, porque eu me vejo mesmo como pesquisador e professor universitário, né?”
E ele continua:
“Tentar trazer conteúdo para fora da bolha acadêmica é um movimento que eu vejo como muito importante para visibilizar essas questões para além de um espaço de privilégio que é a área acadêmica. Eu espero continuar fazendo isso, mas não vou negar que diante do contexto que a gente vive, de vez em quando, bate aquela dor, aquela desesperança, aquela vontade de focar só na bolha acadêmica e não precisar lidar com tanto ódio.”
Sobre como a existência da POC CON afeta sua trajetória, Chris comentou:
“No momento, tem sido muito importante pra mim esses eventos como a POC CON porque o carinho que eu recebo, o afeto que eu recebo, ele é mobilizador pra continuar produzindo conteúdo pra ver que não são só os haters, né, que tem muita pessoa que é afetada positivamente por aquilo que a gente produz e fala.”
Outra artista que também conversou conosco e que participou da palestra “Narrativas do Norte e do Nordeste”, Ren Nolasco comentou sobre a importância de um evento como a POC CON para os artistas LGBTQIAPN+:
“A segurança é o aspecto mais importante. (…) Aqui, quando chegamos, é como se estivéssemos em casa. Todo mundo é o seu público, igual a você, gostam das mesmas coisas e tem o mesmo modo de ser. Essa sensação de conforto e segurança é o melhor aspecto. Além disso, você saber que está dando o seu dinheiro na mão de pessoas que nunca serão contra você nesse sentido, pessoas que não vão apoiar coisas que no final vão tirar os seus direitos e vão sempre alimentar o mesmo ciclo positivo, isso é sensacional.”
Com mais de 48 mil seguidores no Instagram e sendo a responsável pelas ilustrações de grandes sucessos literários nacionais como “Enquanto Eu Não Te Encontro” de Pedro Rhuas e “Uma Canção de Amor e Ódio” de Vinicius Grossos, Ren comentou sobre como é a sensação de ver sua arte espalhada por todo o Brasil:
“É muito legal perceber que eu posso ter sucesso apenas contando com minha comunidade, que eu não preciso sair disso para conseguir pagar minhas contas. Não vender quem eu sou, continuar fazendo trabalho para outros LGBTs e continuar alimentando a nossa cena. E eu não preciso mais fazer aquele trabalho pensando no que é palatável para o público, que a gente chama de ‘geral‘, mas que a gente sabe que, na verdade, é um grande apagamento de outros grupos sociais.”
Sobre como a sua identidade influencia o seu processo criativo, Nolasco comentou:
“A minha identidade é parte de quem eu sou e isso influencia em tudo que eu faço. Eu não consigo criar fora daquilo que eu sou. Então, os traços que eu observo à minha volta, das pessoas com quem eu convivo, acabam interferindo e fazendo parte do meu trabalho. Meu processo depende muito do que eu estou fazendo no momento. Porque eu faço quadrinho, faço ilustração, estou desenvolvendo um jogo agora. Então todas essas coisas têm processos completamente diferentes entre si. Mas a ilustração em si parte muito do que eu estou com vontade de fazer naquele momento.”
Além dos expositores, a POC CON 24 contou com oficinas de charge e cartum, jornalismo em quadrinhos, lettering; diversas palestras envolvendo dublagem, inteligência artificial e empreendedorismo, espaço para flash tatoo, sessão de autógrafos com a lendária Laerte Coutinho e outros artistas, a presença da ONG e casa de acolhimento para pessoas LGBTQIAPN+ Casa 1 e, por fim, o evento também homenageou o artista Octavio Cariello.
Sendo um dos fundadores da escola “Quanta Academia de Artes”, o homenageado deixou um recado para aqueles que desejam iniciar a sua vida através da arte:
“Se divirtam. Invistam nos seus projetos e não nos seus sonhos. Construa algo concreto.”
Para fechar, a feira contou com dois concursos para cosplayers sendo eles: “Noite dos 1000 Cosplays” no dia 31 de maio e o “Cosplay Lip Sync Challenge” no dia 01 de junho.
Com produções impecáveis, os concorrentes entregaram tudo em si em cada concurso e pudemos conferir personagens como Angewomon do anime “Digimon“, Charlie e Nick de “Heartstopper”, o Pinguim de “Batman“, a Jubilee dos “X-Men“, Capitão Jack Sparrow de “Piratas do Caribe” e Naruto e Sasuke do anime “Naruto”, entre os participantes das competições.
Sendo um grande sucesso de público e contando com o apoio da Fujifilm, Galápagos, Outback, Rádio 89, Afro Nerd, Editora Conrad, New Pop, Cosplay Art, entre outros, a POC CON aconteceu nos dias 31 de maio e 01 de junho de 2024, das 15h às 21h no Centro Cultural de São Paulo.
O Nerd Recomenda agradece imensamente a confiança da feira para que realizássemos a cobertura do evento.
A POC CON 2024 foi selecionada no Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo ProAC.
Matéria produzida por Jamerson Nascimento. Imagens por Gustavo Acioli.
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