“Atypical” – 4ª temporada | Crítica sem spoilers
Sem deixar cair o nível de delicadeza, sensibilidade e bom humor, a quarta temporada de Atypical encerra uma série que vai deixar saudades
Quando Atypical estreou na Netflix, ela veio com um proposta diferente: tratar, com sensibilidade e suavidade, sobre o cotidiano de um jovem que faz parte do espectro autista. A história acompanha Sam Gardner (Keir Gilchrist), um rapaz com traços de autismo, e suas vivências da adolescência e juventude, como escola, namoro, amigos, faculdade etc, tudo o que qualquer garoto de sua idade vive, porém no ponto de vista de alguém que, além de tudo isso, ainda precisa lidar com o autismo.
O objetivo ― cumprido ― foi naturalizar essa vivência para quem não faz parte do espectro. Ao longo de quatro temporadas, percebemos que não apenas Sam, mas sim toda a sua família é “atípica”, e ao mesmo tempo muito comum.
Sim, o autismo afeta não apenas Sam, mas todos ao seu redor. Contudo, a humanização da trama de Atypical é o grande trunfo da série, pois não tem nada ali com o que você não consiga se identificar, estando envolvido com autismo ou não.
Nada é de outro mundo, a série não se baseia em grandes eventos, é tudo tão cotidiano, porém apresentado com tanta sensibilidade, que é até fácil esquecer que Sam está dentro do espectro autista e que aquela família tem algo a mais para levar em conta no dia-a-dia. Uma prova de que é possível uma série ser diversa e inclusiva sem precisar forçar e reforçar isso o tempo todo. Mérito da criadora e roteirista Robia Rashid.
Ao chegar na quarta e última temporada, que estreou no dia 9 de julho na Netflix, o espectador já está acostumado com Sam vivendo em sociedade, já completamente adaptado e com suas relações interpessoais estabelecidas e fortificadas. Sendo assim, a série não precisava mais bater nessa tecla. Já com a clareza de que Sam pode fazer tudo o que quiser, como qualquer pessoa, é hora dele realmente ir e fazer o que quer.
Sam começa a última temporada entrando de vez na vida adulta, saindo de casa e indo morar com seu melhor amigo Zahid (Nik Dodani). Na faculdade, uma ameaça de reprovação em uma matéria o leva a questionar o que pretende fazer com sua vida após a formação.
Assim, percebemos que Sam tem sonhos como qualquer um, e aprende, nesta temporada, o valor deles. Aprende a lidar com as dificuldades de realizá-los e com as coisas que precisa abdicar para vê-los acontecer. E convenhamos, essa é uma questão universal.
De certa forma, isso também acontece com Casey. A interpretação poderosa de Brigette Lundy-Paine e todas as subtramas que envolvem a personagem a tornaram a mais interessante da série. Quando ela diz, no final da terceira temporada, que não quer o “fácil”, com certeza não imaginava o quão difíceis as coisas poderiam ficar.
Sexualidade, sonhos, ansiedade, autoconhecimento, relacionamento, pressão externa e familiar, são os dramas que acompanham Casey em sua jornada na última temporada. Basicamente, ela vive o primeiro momento em que precisa tomar grandes decisões para sua vida, ao mesmo tempo em que precisa entender a si mesma para que possa tomar essas decisões. De todas as tramas da quarta temporada, a de Casey é, com certeza, a que mais surpreende e a que mais desperta a curiosidade do público.
Uma personagem que conseguiu manter um crescimento linear desde a primeira temporada foi Paige (Jenna Boyd). Desta vez, assim como na terceira temporada, ela vai muito além de um alívio cômico. O interessante de Paige é que seu egoísmo e altivez em excesso tornam muito fácil odiá-la. Mas ainda assim, algo nela é atraente. Você simplesmente sabe que aquela personagem tem mais a oferecer do que parece e finalmente isso foi entregue na quarta temporada, ainda que quase tardiamente, apenas nos últimos episódios.
Contudo, é muito nítido para quem acompanha Atypical que, desta vez, algumas subtramas só existiram para que os personagens envolvidos não ficassem de escanteio. Elsa (Jennifer Jason Leigh) e Doug (Michael Rapaport) tiveram o destaque merecido e sua história completamente desenvolvida até os dois primeiros episódios, não precisara de uma abordagem mais profunda depois disso. E de fato não tiveram, visto que suas tramas, que poderiam até ser interessantes se a série não estivesse na última temporada, ficaram no âmbito do superficial, sendo pouco trabalhadas.
O mesmo acontece com Zahid, este sim o clássico alívio cômico. Apesar da temática séria que envolve o personagem, a abordagem simplesmente não foi cativante o suficiente e dificilmente faz o espectador se envolver.
Ao contrário de tudo o que envolve Izzie (Fivel Stewart) e sua complicada relação familiar. As problematizações envolvendo a personagem e forma como seu namoro com Casey parece envolto por conflitos continuam nesta temporada, porém com o aprofundamento na história e problemas pessoais tanto de Izzie quanto de sua mãe, além de uma boa discussão sobre expressão de gênero.
Infelizmente, o potencial dessa subtrama não foi aproveitado, visto que a série tinha apenas uma temporada para concluir tudo. Entretanto é inegável o quanto explorar melhor alguns personagens ― como Izzie, sua mãe, Abby (Kimia Behpoornia), colega de faculdade de Sam que havia apenas começado a ganhar importância, e os demais amigos de Sam que também estão no espectro e nos brindam com diálogos geniais ― enriqueceriam ainda mais a série, o que só mostra o quanto Atypical ainda tinha muita história para contar.
Contudo, nenhum desses problemas diminui a grandeza da série e sua habilidade invejável de aprofundar temas cotidianos e ao mesmo tempo transmitir com suavidade questões das mais profundas. Atypical consegue nos sensibilizar para o que já é sensível de forma única e inesperada para uma série “pequena”.
A sequência final, bem como os fechamentos de cada arco, são uma despedida para os fãs e com certeza emocionam.
Nesta linha de produção em massa de filmes e séries, potencializadas pelas redes de streaming que surgem dia após dia, Atypical conseguiu se destacar mesmo sem um grande orçamento e com um enredo que poderia até ser considerado simples.
Com essas características, evidentemente ela não ficaria entre as mais populares da Netflix. Ainda assim, após o último episódio, a sensação que fica é de saudade e de que a série acabou bem antes da hora.
Classificação do autor:
*Texto por Ana Paula Castro
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