
‘Sing Sing’ emociona ao trazer o poder transformador da arte em forte drama prisional
Com três indicações ao Oscar, filme se baseia em uma história real e conta com atuação marcante de Colman Domingo
Poderia ser só mais um filme sobre o tão mencionado poder transformador da arte. O tema de Sing Sing não é novidade, há diversas produções que retratam justamente essa renovação e, de certa forma, cura, que vem com processos criativos e com os laços criados por pessoas que vivem juntas esses processos. Contudo, o drama de Greg Kwedar tem o famoso “quê a mais”, não apenas pela atuação impactante de Colman Domingo como o protagonista, mas principalmente pela sutileza com que demonstra essa transformação, construindo uma trama emocionante dentro e fora da tela.
A história acompanha John “Divine G” Whitfield (Colman Domingo), que foi preso injustamente e tenta reunir evidências que comprovam sua inocência. Advogado e amante das artes antes de ser detido na penitenciária Sing Sing, ele acaba se tornando um dos cabeças do programa RTA, ou Rehabilitation Through the Arts (Reabilitação pelas Artes), que reúne um grupo de detentos para montar e apresentar peças teatrais na prisão.

A dinâmica do grupo muda com a chegada de Divine Eye (Clarence Maclin), um dos detentos mais violentos da penitenciária que ingressa no programa inicialmente de forma desconfortável e deslocada, mas que empolga os colegas ao sugerir a produção de uma peça de comédia, um quebra-cabeça que mistura viagem no tempo, Hamlet, faroeste, Egito Antigo, entre outras coisas.
A realização da peça, porém, fica em segundo plano, uma vez que o foco do longa é na relação entre os personagens e em como a arte, no caso o teatro, age na experiência e na percepção dos detentos/atores sobre a realidade, tornando-se um escape não apenas da prisão física onde se encontram, mas também de uma “prisão social”, de uma vida com poucas perspectivas positivas.

O fio condutor de tudo isso é Divine G. Colman Domingo traz um protagonista complexo e leva consigo boa parte da carga emocional do filme. Sempre com um olhar generoso para os colegas, ele representa a escolha da direção em não se debruçar sobre os crimes que levaram aqueles homens para a prisão, mas sim em fornecer um olhar mais humanizado e livre de julgamentos, abrindo uma janela para a reabilitação de cada um.
Porém, não é por isso que os conflitos internos de John não ganham espaço. O diferencial da atuação de Domingo está justamente em trazer à tona toda a resiliência do personagem até o momento em que as circunstâncias “fora dos palcos” a quebram e abalam seu psicológico de forma avassaladora.
Ao lado dele, Clarence Maclin brilha como Divine Eye. É por meio dele que vemos o mote do filme em ação. Em uma dinâmica inicialmente conflituosa com os membros do grupo, mas especialmente com Divine G, Eye não apenas não se encaixa naquele meio, como também representa um “estereótipo” de alguém com passado e personalidade sem qualquer inclinação para as artes.
Dessa forma, ao se permitir imergir no processo criativo, vemos seu horizonte aumentar de forma proporcional ao seu conforto com o papel que lhe coube na peça. Contudo, isto não ocorre de uma hora para outra, ou de forma melodramática ou sem uma justificativa natural e plausível. Mérito do roteiro de Greg Kwedar e Clint Bentley, mas também da escalação do elenco.

A atuação de Maclin não é tão potente à toa. Ele, junto com boa parte dos atores, interpretaram a si mesmos em Sing Sing. Sean “Dino” Jonhson, Mosi Eagle, Patrick “Preme” Griffin, David “Dap” Giraudy, James “Big E” Williams, entre outros, realmente fizeram parte do RTA e viveram tudo aquilo. Entregando excelentes performances, estes homens não apenas demonstram a eficiência do programa, mas também potencializam a mensagem do filme, tirando-a do campo das ideias e da especulação e apresentando evidências reais do potencial que a arte pode ter na vida das pessoas.
Sabendo disso, a direção de Kwedar faz um trabalho primoroso na condução do elenco, que também conta com ótimas atuações de Sean San José e Paul Raci. Por vezes, a naturalidade é tanta que parece que a câmera e o público estão espionando reuniões particulares, visitando um ensaio esporádico. Ao mesmo tempo, a humanidade com que Sing Sing trata sua trama e as histórias reais em que se baseia emociona e cria fortes conexões com quem assiste.

Apesar disso, é inegável que o filme se desenvolve em um ritmo confuso, ora mais lento, ora acelerado. Além disso, como um bom drama prisional, ele possui alguns elementos de certa forma previsíveis, começando na prisão injusta do protagonista e culminando em uma redenção já esperada do personagem mais “casca grossa”.
O que torna Sing Sing um ótimo filme, porém, não é o desfecho ou os pontos-chave da narrativa, mas sim a forma como isso é transmitido em tela, de forma íntima, sensível e ao mesmo tempo sutil, com a capacidade de despertar emoções diversas no espectador.
Sing Sing é um filme digno das três indicações ao Oscar que recebeu (Melhor Ator, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Canção Original para Like a Bird, composta por Abraham Alexander e Adrian Quesada) e, honestamente, merecia até mais. O longa fornece ao público uma chance de humanizar seu olhar sobre sujeitos marginalizados e traz uma ponta de esperança para uma sociedade que cai tão facilmente na armadilha do preconceito.
Sing Sing estreia nos cinemas do Brasil nesta quinta-feira, 13 de fevereiro. Confira o trailer:
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